Justin Trudeau. O herdeiro que promete devolver o Canadá à sua tradição

Justin Trudeau. O herdeiro que promete devolver o Canadá à sua tradição


A família Trudeau é comparada com os Kennedy nos EUA e, com a vitória alcançada por Justin os liberais voltam ao poder com maioria absoluta depois da maior derrota eleitoral na sua história.


O filho de uma lenda da política no Canadá, Justin Trudeau conseguiu firmar na segunda-feira a primeira dinastia do país nesse campo, tornando-se ao mesmo tempo o segundo chefe de governo mais novo na história do país. O pai, Pierre Trudeau, foi o tipo de líder que esbanjava carisma, viveu aventuras românticas com celebridades, e conquistou a admiração de John Lennon. “Se todos os políticos fossem como o Sr. Trudeau, a paz mundial seria possível”, disse o ex-Beatle depois de o conhecer. Um dos seus golpes de génio, para sempre gravado na memória dos canadianos, foi a pirueta que fez no Palácio de Buckingham quando a Rainha Isabel não estava a olhar. A fotografia desse momento capturava na perfeição o seu espírito inconformista e o desdém do democrata pela pompa aristocrata.

Pierre foi comparado a John F. Kennedy quando chegou ao poder, em 1968. Três anos depois nascia o seu filho, que agora pôs fim ao reinado de outra figura marcante na cena política do país, Stephen Harper. Depois de quase uma década no poder, o líder conservador prepara-se para um final que está longe de ser feliz, depois daquela que foi uma das mais longas campanhas no país e de ter antecipado as eleições na esperança de que a sua máquina partidária viesse a impor-se à oposição pela capacidade de angariar mais dinheiro. Marcada pelo tom feio das acusações e insultos, e que terminou com uma surpreendente vitória de Justin. Trudeau partiu em terceiro lugar nas sondagens mas acabou por conquistar para os liberais uma maioria absoluta. Justin vai assim regressar à casa onde nasceu e cresceu, no nº 24 de Sussex Drive em Otava, a residência oficial do chefe de governo. E leva com com ele os três filhos (o mais velho com oito anos), que tem com Sophie Grégoire, amiga dos tempos de infância, ex-apresentadora de televisão e modelo.

Depois da humilhante derrota que o seu partido – em tempos a força que dominava a política canadiana – sofreu em 2011, com a sua maior derrota de sempre, e a terceira consecutiva desde 2006 não conseguindo mais do que 34 assentos no parlamento, Trudeau recusou então a hipótese de vir a ser o candidato liberal nas eleições seguintes. Isso mudou no ano seguinte, à medida que outras figuras de proa da formação foram ficando pelo caminho, e assim, apesar de considerado ainda muito novo – tem agora 43 anos –, Justin acabou por aceitar o desafio. Em Abril de 2013, chegou à liderança do partido com uns expressivos 80,1% dos votos.

A estratégia dos conservadores foi apelar aos piores sentimentos dos eleitores, tentando apoucar o líder liberal, fosse através dos cartazes que clamavam que este não estava pronto para liderar o país, fosse referindo-se aos seus “belos cabelos”, dando a entender que Justin não passa de um herdeiro, um jovem carregado ao colo toda a sua vida. É certo que o novo primeiro-ministro do Canadá não tem a experiência que tinha o pai. Pierre, que morreu em 2000, era um intelectual respeitado, um advogado de enorme sucesso, que antes de liderar o seu primeiro governo esteve à frente do ministério da Justiça.

Apesar da campanha quase sem mácula que fez nas últimas semanas, provando ter herdado o carisma bem como a capacidade argumentativa que o fez brilhar nos debates eleitorais, mesmo se diplomado em literatura inglesa e ciências da educação, Justin não é o intelectual que o pai foi, e antes de ter entrado na política, em 2007, foi guia de rafting, monitor de snowboard, professor do ensino secundário e segurança de uma discoteca, tendo vagueado pelo mundo. Continua até aos dias de hoje a praticar boxe a nível amador.

Mas se o legado do seu pai terá tido um papel importante na sua vitória – sendo evidente, quase meio século depois, como as reformas liberais e a onda de popularidade que ficou conhecida como “Trudeaumania” –, Justin prometeu aos eleitores uma mudança política que não se ficará por questões superficiais.

Na última década, Harper prosseguiu uma agenda conservadora, baixando os impostos e cortando nos programas sociais do Estado, assumindo uma política dura nas questões de segurança, incluindo a aprovação de uma série de leis abrangentes no que toca ao combate ao terrorismo. Em contrapartida, Justin prometeu entre outras coisas legalizar o consumo de marijuana, rever as leis anti-terrorismo, impedir o negócio de compra aos EUA de caças F35 e pôr fim à intervenção do Canadá na intervenção ocidental uma vez mais liderada por Washington na luta contra o Estado Islâmico nos territórios que controla na Síria e no Iraque. Se Justin, tal como o seu antecessor, apoiou a construção do controverso oleoduto Keystone XL, este antigo activista ambiental mostrou-se disponível para tentar minorar os impactos ambientais do projecto.

A sua campanha foi muito orientada por aqueles que são considerados os valores essenciais do país, defendendo a classe média, cortando os impostos que a atingem e agravando-os para os ricos, ao mesmo tempo que prometeu melhorar a rede de assistência social e investir nas infra-estruturas num esforço para estimular a economia do país. Ao mesmo tempo, Justin afirmou querer melhorar a imagem do Canadá no estrangeiro, assumindo um maior papel em organização internacionais como as Nações Unidas, representando uma lógica mais humanitária e inclusiva que entra em claro choque com o que foi a política externa do país nos últimos anos.