Se vir Ian Curtis vestido de Homem-Aranha na parede do número 35 da Travessa da Pereira, na Graça, descanse, não se trata de nenhum delírio. É o produto da imaginação de Butcher Billy, artista digital brasileiro que põe músicos famosos na pele de super-heróis, um dos nomes que integram a primeira exposição do Charivari Lab, galeria e incubadora de projectos artísticos contemporâneos que abriu este mês, no espaço de uma antiga fábrica de Lisboa.
E se a alguns pode causar estranheza, a outros a obra do brasileiro diz muito. “Houve pessoas que vieram cá de propósito ver as coisas dele”, diz Rémi Gelin, presidente da associação cultural responsável pelo espaço, que nasceu a partir da revista online Charivari.pt. Para unir as duas fases do projecto, a Charivari Lab foi inaugurada com a “Charivari Vol. I – Antologia de Arte Digital e Cultura Pop”, que reúne obras de uma dezena de artistas internacionais em estreia em Portugal.
Para contar a história deste projecto é preciso perceber o que fez o francês trocar Paris por Lisboa. “Passei aqui duas semanas de férias, há dois anos, e fiquei encantado. Foi muito intenso e pensei que teria de retribuir.” Regressou e lançou-se num novo desafio, trazendo o que já fazia em França e abrindo caminho no circuito das galerias nacionais para as tendências contemporâneas, com enfoque nas artes digitais, na cultura pop e na arte geek. Primeiro com a criação, em Fevereiro deste ano, da revista online Charivari.pt e mais recentemente, em Setembro, com a associação cultural, o primeiro passo para trazer da internet para o espaço físico todas aquelas manifestações artísticas.
Inicialmente prevista para terminar no dia 8 de Novembro, a “Charivari Vol. 1” deverá ficar na galeria até meados do mês, porque é a mostra inaugural do projecto, e porque outros artistas têm vindo a juntar-se à selecção inicial, num misto de nomes consagrados com emergentes. E a resposta destes ao convite não poderia ser mais positiva. “Estar numa galeria em Lisboa é importante para eles. Por isso tivemos uma reacção tão imediata”, diz.
Para Todos “A cultura pop é transversal a tanta gente e gerações que tem um apelo quase universal. É a porta de entrada para um projecto mais amplo que visa servir como encruzilhada de diversas disciplinas artísticas e criativas, capazes de se fundir e contaminar mutuamente”, refere Rémi. A exposição também procura essa transversalidade. Além dos músicos convertidos em super-heróis de Butcher Billy, há os robôs gigantes da dupla alemã SA-PO. Sven Sauer, que forma o duo artístico com Igor Posavec, é um dos artistas mais reconhecidos em matte-painting, tendo trabalhado para o filme “Hugo”, de Martin Scorsese, e para a série “Guerra dos Tronos”.
O cinema tem de resto uma representação forte na “Charivari Vol. 1”, através das ilustrações a aguarela “Horror Genesis”, do francês Jérémy Pailler, do estilo poligonal e colorido da inglesa Mobokeh, ou do consagrado designer polaco Adam Spizak. Figuras femininas em contextos surreais, personagens da Disney feitas pin-ups ou desenhos de Sam Chivers, com evocações da fantasy art dos anos 70 e 80, são outros dos universos artísticos trazidos para a exposição. Obras tão variadas como os visitantes.
Além da área reservada a exposições, a Charivari Lab pretende organizar mercados dedicados a artistas, criadores e artesãos e usar o piso inferior para acolher manifestações e performances interactivas. “A ideia é dar carta branca aos artistas, daí o espaço ser despido para que possa ser transformado no que eles quiserem.” Está também prevista a realização de residências de curta duração, para manter o dinamismo.
Estreias
Com a cultura pop no centro da actividade, há também o cuidado de acompanhar a agenda dos principais acontecimentos. Daí que a próxima exposição seja dedicada a um herói que em breve vai regressar ao grande ecrã: Batman. “Gotham in the Lab”, que deverá ocupar a galeria a partir de 14 de Novembro, terminando quando as 20 peças que a compõem forem todas vendidas, é feita em parceria com o French Paper Art Club. “Quando recebemos as peças parecíamos miúdos a abrir os presentes de Natal. São exemplares únicos de artistas muito conhecidos de BD e do design.”
E porque o prometido é devido, a retribuição de Rémi à cidade não fica por aqui. Para Janeiro já está traçado um novo objectivo: lançar a vários artistas o desafio de criarem obras que façam uma reinterpretação do fado.