As drogas que animam o pior que há no homem e são úteis em tempo de guerra

As drogas que animam o pior que há no homem e são úteis em tempo de guerra


A prisão de um príncipe saudita com duas toneladas de anfetaminas populares entre os combatentes da Síria deu visibilidade a uma técnica antiga.


Se a guerra é o inferno, é preciso perder a alma, ou pelo menos deixá-la de fora, para que não se torne um peso e um obstáculo para aqueles que são enviados para a linha da frente, baixando as probabilidades de dela escaparem com vida. Uma história dos conflitos não estaria completa sem as inúmeras soluções químicas a que o homem recorreu para abafar a consciência, calar o remorso e deixar a besta vir ao de cima, assumindo o controlo. Do álcool às anfetaminas e à heroína, as drogas não tiveram menor papel que as balas nos grandes conflitos.

Esta semana o uso de narcóticos por combatentes voltou à baila depois de um príncipe saudita ter sido apanhado no aeroporto de Beirute a tentar embarcar 2 toneladas de anfetaminas no seu jacto privado. O estimulante sintético conhecido como Captagon (a sua antiga marca comercial) tornou-se uma das drogas mais populares no Médio Oriente, tendo beneficiado dos quatro anos de guerra na Síria, hoje o grande centro de produção e principal exportador desta droga. É um negócio que gera receitas de milhões de euros e, a par das receitas com o petróleo, está a ser decisivo no financiamento dos grupos radicais – entre eles o Estado Islâmico – que controlam actualmente parte do território. Os combatentes não apenas lucram com o tráfico mas recorrem ao Captagon não apenas para resistir ao desgaste no campo de batalha. Por outro lado, e dada a facilidade com que se adquire, esta anfetamina tornou-se a mais vendida das subs-tâncias ilegais, com o seu consumo a disparar junto da própria população, que, exasperada por um conflito sem fim à vista, procura aplacar o seu sofrimento.

O Captagon é feito a partir de substâncias fáceis de encontrar e que se obtêm muitas vezes de forma legal. O fabrico também não traz especiais problemas, tendo sido iniciado na década de 60, no Ocidente, para tratar a hiperactividade, a narcolepsia e a depressão, mas veio a ser banida na maior parte dos países em 1986 por gerar um alto nível de dependência. Desapareceu deste lado do mundo para reaparecer daquele, com os países do Golfo a tornarem-se os seus principais consumidores.

Tornou-se a droga de eleição dos jihadistas, multiplicando-se os relatos de que os combatentes tomam esta anfetamina que lhes permite aguentar até 48 horas sem comer nem dormir e resistir melhor ao frio e à dor. Não é só fisicamente que o estimulante ajuda; traduz–se igualmente em ânimo moral, já que, à semelhança da cocaína, provoca um estado de euforia e hiperactividade. Por outro lado, aparentemente desperta demónios e, segundo os curdos, explica a impavidez suicida dos jihadistas durante os combates e a brutalidade com que têm cometido as piores atrocidades contra as suas vítimas.

Sendo inúmeros os exemplos, pelo menos a partir do início do século xix – ou seja, bem antes da guerra moderna –, de utilização de drogas como meio de ganhar vantagem no campo de batalha, foi provavelmente a Alemanha nazi que mais longe foi nas suas investigações deste potencial. A famosa Blitzkrieg (guerra-relâmpago) aproveitou o impulso de uma panóplia de substâncias químicas que faziam parte de um plano com que os mestres da guerra nazis procuravam que os seus soldados se tornassem super–homens, capazes de feitos sobrenaturais na linha da frente.

Não foi uma medida desesperada nos meses finais da guerra contra os aliados, foi na verdade a aplicação do ilustre espírito inovador e disciplinado à máquina de guerra, com milhões de comprimidos de metanfetaminas a fazerem parte do abastecimento do seu exército. Enquanto a abstinência era promovida como virtude junto da população, a pretexto de promover a saúde nacional, foram criadas linhas de produtos específicas como o Panzerschokolade, distribuído entre os tripulantes de blindados, ou os Stuka-Tabletten e Fliegersalz para os pilotos de aviões. 

Substâncias como o Pervitin – aquilo que conhecemos como speed – eram a droga-maravilha nas fileiras nazis. Mas se os efeitos estimulantes eram vistos como uma arma secreta para levar a melhor sobre os aliados, os oficiais de altos escalões trataram com displicência os perigos que poderiam advir de um consumo imoderado, e do estado de intoxicação em que caíram muitos soldados. O próprio Führer, Adolf Hitler, segundo se descobriu recentemente, terá sido um consumidor regular de metanfetaminas. Eram-lhe receitadas pelos seus médicos, e permitiam-lhe manter-se longas horas desperto, com um fôlego inesgotável.

À medida que a guerra ia tomando conta de toda a Europa, na frente os efeitos colaterais das drogas estiveram à altura do mundo do Holocausto.