Frutas, legumes e cereais servem de base a uma alimentação saudável e daí que nos tenhamos habituado a ouvir que a dieta mediterrânica era a resposta para uma vida mais longa e sadia, tendo até aparecido, mais recentemente, como uma resposta ao alerta da Organização Mundial da Saúde sobre o perigo da carne vermelha e dos alimentos processados. Aliás, todas as dúvidas sobre o valor da comida mediterrânica caíram por terra quando a dieta entrou na lista do Património Imaterial da Humanidade.
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Perante estes factos, é difícil aceitar os argumentos de um estudo que põe em causa os hábitos alimentares dos portugueses e eleva Portugal ao topo da lista dos países cujo consumo mais afecta o meio ambiente. Mas Alessandro Galli, líder da investigação, é rápido a explicar a ligação: o problema não está na dieta mediterrânica, mas sim no facto de os países já não a assumirem como sua. “As pessoas do Mediterrâneo já não seguem a dieta mediterrânica”, resume, lembrando que esta dieta, mundialmente reconhecida, é baseada em produtos normalmente associados a uma menor pegada ecológica.
O afastamento dos portugueses daquilo que sempre lhes encheu as mesas – frutas, legumes e cereais – leva, por outro lado, a uma aproximação da carne, do peixe e dos ovos, cujo consumo é bastante maior que o recomendado. Galli, que lidera a pesquisa sobre os países do Mediterrâneo da Global Footprint Network, rede internacional que trabalha para promover a sustentabilidade do planeta, lembra que se Portugal seguisse a dieta mais tradicional, o consumo de carne e peixe, assim como de leite e derivados, ficaria circunscrito a um máximo de três porções por semana, valores que ficam bem abaixo do que é consumido em Portugal. Aliás, o responsável revela que os portugueses consomem, em média, 3518 kcal por dia, face às 2500 recomendadas pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Apesar de os investigadores reconhecerem que este é um problema transversal a todos os países do Mediterrâneo, é o alto consumo de peixe em Portugal que o põe na lista negra. Para piorar a situação, os portugueses têm uma especial preferência por peixes que estão no topo da cadeia alimentar, como o atum e o bacalhau, o que pode resultar em casos de sobrepesca que já levaram a Comissão Europeia a reduzir, no ano passado, a quota pesqueira portuguesa.
Ainda sem as consequências dessa medida a provocar uma mudança radical, a pegada ecológica nacional chega a 1,5 hectares globais, a medida usada para se calcular o espaço necessário para produzir tudo o que se consome [gráfico ao lado]. Para dar uma noção do exagero português, o estudo dá a média por habitante de um país mediterrânico: 0,9 hectares globais.
Consumo sem controlo Apesar das alterações na alimentação serem um fenómeno mais recente, a verdade é que já em 1961, ano em que se começou a calcular a pegada ecológica dos países, o uso dos recursos naturais da zona do Mediterrâneo era 24% superior à oferta. “É difícil identificar o momento em que a situação ficou fora de controlo”, admite Galli ao i, referindo-se a um processo contínuo e com aumentos que variam conforme o país a que nos referimos. Em Portugal, por exemplo, segundo a análise do investigador, o aumento do consumo deu-se na década de 80, acompanhada, como na generalidade dos países, de um aumento da qualidade de vida da população. “O problema é que, desde 2000, a maioria dos países do Mediterrâneo foram muito além de todos os limites e têm como desafio, daqui para a frente, manter o mesmo nível de vida reduzindo o consumo de recursos”, aconselha.
E no futuro? A investigação levada a cabo pela Global Footprint Network aponta três forças impulsionadoras deste aumento do impacto ecológico. São elas o consumo alimentar, que inclui os hectares de terra necessários para produzir os alimentos, além do transporte até ao consumidor final; os transportes, que incluem a terra usada para sequestrar o CO2 emitido pelo uso de combustível fóssil; e, por fim, a habitação, com todas as fontes de energia que lhe estão associadas. Apesar de transversal a todos os países, estes três pontos não são distribuídos igualmente por todos. Assim, se a comida causa um maior impacto nos países do norte de África, são os transportes que aumentam a pegada ecológica de países como França, Itália e Grécia. A proximidade destes países com o território português, face a um impacto ecológico diferenciador, sugere que existem diferentes prioridades na redução da pegada para cada país.
Independentemente da forma de impacto, os investigadores envolvidos esperam que as conclusões sirvam para uma mudança de mentalidades. “Estamos a consumir o equivalente a um planeta e meio, o que significa que são precisos 18 meses para regenerar aquilo que é gasto durante um ano”, explica o investigador. Usando Portugal como exemplo, Alessandro Galli aconselha uma discussão mais ampla sobre os benefícios do regresso a uma dieta mediterrânica tradicional. “Não podemos esperar que as melhorias venham apenas dos métodos de produção agrícola”, lembra, “é importante considerar a redução do desperdício de alimentos e a promoção de uma alimentação saudável.”