O rock dos Glockenwise amadureceu e já não vive de ilusões

O rock dos Glockenwise amadureceu e já não vive de ilusões


“Heat” é o novo disco da banda. Sexta concerto no Porto, no Rivoli, sábado em Lisboa, na ZDB. Está tudo bem quando dá em rock’n’roll.


Em quase dez anos de banda, muita coisa mudou na vida de Rafael Ferreira, Cristiano Veloso, Nuno Rodrigues e Rui Fiusa, o quarteto que compõe os Glockenwise. Ou, pelo menos, o que mudou foi significativo o suficiente para se reflectir na nova fase do grupo barcelense, que lançou esta semana o seu terceiro longa-duração,“Heat”. Outra vez o rock’n’roll para festas de garagem sem hora de fecho. Tudo boas notícias.

Para trás ficam os tempos adolescentes do primeiro álbum da banda de Barcelos, “Building Waves” (2011), e dos dias em que percorriam o país em concertos, usando transportes públicos. “Temos todos cartas de condução [risos] e já ninguém está a estudar, quer dizer, o Nuno [Rodrigues] está a fazer o mestrado, e depois estamos todos a trabalhar, num misto de estar a trabalhar e depois estar sem emprego”, explica Rafael Ferreira.

Reconhecendo que isso possa soar a pouco, a importância destas mudanças entende-se se nos lembrarmos que em 2013, por alturas do lançamento de “Leeches”, o guitarrista admitia que a banda estava “propositadamente a retardar a entrada no mundo real”, sem muito que fazer e sem preocupações financeiras de maior. Mas há mais: agora conseguem estar juntos mais vezes, o que influencia o processo criativo dos Glockenwise.

“Precisamos disso para fazer as coisas e fazê-las bem, porque o nosso grupo vive muito da energia de estarmos juntos e isso vai sempre tendo alguma influência nos trabalhos.” 

Tudo isso acaba por ter reflexo neste “Heat”, um trabalho que aparece a meio caminho entre a realidade de uma formação que está junta há algum tempo e, ao mesmo tempo, ainda longe da duração de uma banda de carreira. “Como o entusiasmo de achar que vamos fazer disto vida ou que as coisas vão mudar já está um bocado de parte, o nosso foco centra-se exclusivamente na música e no que gostamos de fazer, que é produzir e tocar ao vivo. Acho que essas nuances todas contribuirão para fazermos um trabalho mais interessante.”

Em termos de sonoridade, isso quer dizer que o novo registo, que na sexta-feira é apresentado ao vivo no Teatro Municipal Rivoli, no Porto, e no dia seguinte na Galeria Zé Dos Bois, em Lisboa, continua carregado do rock que reconhecemos no traço sonoro dos Glockenwise. E nem poderia ser de outra maneira, já que o estilo e o género em que se movem ficou definido desde o início.Ainda assim, o novo álbum, explica-nos Rafael Ferreira, é um pouco mais contido que os anteriores. 

“[Heat] É um disco mais carregado e a principal diferença em relação aos nossos anteriores é que é o menos alegre”

“Aquilo que nos influencia mais são as nossas vidas e o que se passa à nossa volta, e no ‘Heat’ isso acabou um bocado por mudar aquilo que tínhamos feito a nível de sonoridade. É um disco mais carregado e a principal diferença em relação aos nossos trabalhos anteriores é que é o menos alegre que fizemos até hoje”, explica, confessando, porém, que no segundo disco a alegria era “mais sarcástica do que propriamente genuína”.

Menos alegre, “Heat” é revelador do que fez o quarteto chegar até aqui, em quase dez anos de actividade que lhe permitiram alcançar mais do que esperava. E se, por um lado, existe a convicção de que a novidade e a ingenuidade já passaram – “sabemos que, provavelmente, nunca seremos uma banda gigante em Portugal”, diz o guitarrista, perguntamos nós: e então?

“O entusiasmo de achar que vamos fazer disto vida ou que as coisas vão mudar já está um bocado de parte” 

Há sempre uma dose inevitável de incerteza quanto ao que o futuro pode trazer. O que quer que seja, será certamente dentro daquilo que os Glockenwise definiram para si, nuances à parte. Fazer rock e andar na estrada. Parece-nos simples, parece-nos muito bem.