© Tiago Petinga/Lusa
Se Marcelo Rebelo de Sousa for eleito, é bem possível que se torne o único chefe de Estado da democracia a não concorrer a um segundo mandato.
Dir-se-á que é futurologia estar a antever uma coisa dessas numa altura em que nem sequer ganhou as eleições para o primeiro mandato. Talvez. Mas a verdade é que, para quem já tanto inovou, essa predisposição pode ser mais um inédito que o professor traria ao país. Foi, aliás, uma possibilidade que sub-repticiamente admitiu quando explicou a forma como o neto mais velho reagiu à candidatura: “É como o avô quiser, mas só se for para cinco anos. Acho essa coisa de repetir os cinco fatal.”
Com a idade com que Marcelo chegaria ao fim do primeiro mandato (73 anos), teria tempo para continuar activo noutras lides de que tanto gosta, como dar conferências, fazer análise e escrever. Já se se recandidatasse, sairia aos 78, o que seria, mesmo para um saudável hiperactivo como ele, um tempo excessivo de gaiola doirada, pois lá diz o povo que “galinha do campo não quer capoeira”.
Num mandato único, cinco anos, um Presidente determinado a não se recandidatar desde o primeiro dia teria uma liberdade de acção e condições de independência que verdadeiramente o libertariam de calculismos e tacticismos inibidores.
De uma forma ou de outra, verificaram-se em vários Presidentes (cá e não só) alterações de posicionamento e de postura do primeiro para o segundo mandato que ficaram associadas a meras estratégias políticas de reeleição, após a qual se revelaram verdadeiramente.
Um mandato único pode tornar a intervenção presidencial mais activa e reformista numa altura em que Portugal precisa de rever um conjunto de leis e procedimentos arcaicos, começando pelas leis eleitorais e o processo de nomeação de governo, como tragicamente temos verificado, mais uma vez, nos últimos dias, no meio de uma crise política tão previsível, absurda e evitável se o ordenamento jurídico-constitucional fosse mais claro.
Toda essa pedagogia e essas reformas terão de ser promovidas e executadas num curto espaço de tempo, sob pena de Portugal se tornar ingovernável e anacrónico. E um Presidente como Marcelo pode ser o pivô de certas mudanças.
Um mandato único permitiria, por outro lado, ao professor ter um papel mais determinante na escolha do seu sucessor – ao ponto de, se aparecesse alguém que lhe desagradasse excessivamente, ter a possibilidade de utilizar o método radical de se recandidatar para afugentar o indesejável sucessor.
Entretanto, no dia seguinte às próximas eleições presidenciais e se Marcelo efectivamente ganhar, os derrotados não se ficarão pelos nomes dos concorrentes perdedores. Haverá outros, alguns dos quais teoricamente nem sequer estão na política activa. Um deles será, objectivamente, Francisco Balsemão, o mais poderoso e influente patrão da imprensa portuguesa.
Há anos que Balsemão mantém uma hostilidade política e pessoal para com Marcelo que se reflecte indirectamente na aproximação que o seu grupo de comunicação faz ao agora candidato.
Para que não houvesse dúvida de que não queria Marcelo, Balsemão fez no Verão uma insólita e inesperada declaração pública em que incitava Rio a avançar para Belém. Experiente, hábil e inteligente, o ex-líder do PSD sabia que Rio só teria hipóteses caso se antecipasse a Marcelo e obtivesse o acordo tácito de Passos Coelho. Mas Rio faltou à chamada. Agora, “les jeux sont faits”. Marcelo deve ganhar, e Balsemão perder. Para Marcelo, pode haver pequenas vitórias que lhe darão um gozo especial.
Até lá, o caminho está recheado de escolhos. O professor vai contar com um naipe de opositores que cobre toda a esquerda, o que dificulta uma vitória à primeira volta. Por outro lado, com uma situação política tão complexa e sem estar na pele de comentador, sempre que emitir uma opinião tenderá a não agradar a alguns apoiantes, isto porque quem parte de um patamar tão alto só pode descer. O doseamento do exercício da palavra vai ser o grande desafio que Marcelo tem de ultrapassar para ganhar à primeira volta e evitar o espectro da repetição do que sucedeu a Freitas do Amaral.
Nota final: Lá apareceu o novo governo de Passos Coelho. Como se esperava, não é propriamente galáctico e é poucochinho no lado do CDS. Quanto ao PSD, é um governo de lealdade a Passos Coelho, havendo que louvar todos os que o integram pela solidariedade demonstrada. Destaque especial para a entrada de Calvão da Silva para o MAI, um catedrático ilustre que foi braço-direito de Mota Pinto. Uma vez que Cavaco está amordaçado, o mais provável é que o governo dure só uns dias e António Costa avance na forma minoritária ou de coligação à esquerda. Se Costa conseguir um acordo de quatro anos, é de admitir que o próprio Passos não esteja disponível para quinzenalmente ver tirar esqueletos do armário e ser enxovalhado na Assembleia. Pode haver mais crises nesta crise.
Director da Newshold
Jornalista
Escreve à quarta-feira