Casaco de ganga, botas pretas altas, Greg Nicotero está entre a rock star e o motoqueiro. Quando um tipo destes entra numa sala com jornalistas o difícil é desbloquear a primeira frase. O histórico caracterizador e artista de efeitos especiais atira a primeira pedra: “Gostaram dos efeitos do episódio de ontem?”, diz, referindo-se a “Outcast”, a nova série de Robert Kirkman (criador de “The Walking Dead”), de que fez os efeitos do primeiro episódio. Seguiu-se um “sim” caricato e em coro. Neste género de coisas, por norma os jornalistas apresentam-se, algo que Nicotero dispensa prontamente, reflexo da sua postura conhaque é conhaque, trabalho é trabalho. Colaborou com Taratinto, Wes Craven, todos esses senhores estranhos capazes de gerar filmes incríveis. As perguntas foram feitas por todos os presentes. Deixamos-lhe aqui as melhores conclusões.
Quando olha para filmes e séries está sempre a pensar em como desconstruí-
-los para efeitos ou caracterização?
É a minha natureza, faço-o há 40 anos. Mas há excepções, se sou apanhado pelo enredo consigo não pensar assim. Por exemplo, com “A Guerra dos Tronos” gostei tanto da história que nem pensava em trabalho.
“The Walking Dead” tem-se tornado mais flexível ao longo dos anos, sobretudo nas últimas duas temporadas. Centra-se menos nos protagonistas. Há alguma razão específica para isso?
O mundo das personagens cresceu e parece-me que o Scott Temple quer garantir que não são uma espécie de extras sem qualquer tipo de impacto. Passámos muito tempo a fazer o casting. É complexo, porque se não têm muito para fazer parece que são mobília. Queremos expandir o nosso mundo através do passado das personagens, isso enriquece o universo. Há pessoas a dizer-me: “Quando é que vão matar o Father Gabriel ou a Tara?” Mas também existem histórias para eles.
Vão centrar-se em personagens como o Aaron ou o Spencer nesta temporada?
Bem, o Spencer já se está a tornar uma personagem maior desde o final da temporada anterior. E o Aaron vai sofrer uma mudança fascinante. No final do segundo episódio desta temporada ele encontra as fotografias e apercebe-se de que pode ser parcialmente responsável pelo combate dos lobos em Alexandria. Isso vai atingi-
-lo… por isso posso responder que sim a essa pergunta.
O grupo está algo fragmentado, o Gabriel está a trair aquilo em que acreditava, a Sasha está em Alexandria e longe do mundo exterior…
A Sasha ficou em paz consigo no final da temporada anterior, não deu um tiro no Gabriel, apercebeu-se de que não era isso que queria. Toda a gente é afectada por essas relações e essas situações começam a redefinir as pessoas. A grande questão do Rick na primeira metade da temporada é tirar da cabeça que é um “nós e eles”. Se alguém de Alexandria morrer parece não se importar muito. Ele só quer proteger o seu grupo, mas isso não é viver, é sobreviver ao dia-a-dia. Vamos ver essa transição durante a temporada.
Prefere realizar, trabalhar em efeitos especiais ou em caracterização?
Não sei… é tudo divertido. Estou prestes a realizar o meu 15.o episódio da série, portanto adoro já ter realizado quase uma série inteira. É quase uma loucura. É difícil perceber o que mais me agrada, gosto de fazer tudo. Qualquer oportunidade para estar nas rodagens de um filme origina algo criativo.
A Carol está a tornar-se uma personagem interessante, a forma como manipula algumas mulheres em Alexandria. Vai tornar-se um novo Rick?
Sim, posso dizer que sim, mas há uma diferença que vamos ver ao longo da temporada. ACarol não gosta de matar, fá-lo para sobreviver, ao contrário do que se está sempre a dizer, que “a Carol é tramada”. Até porque agora há o Morgan, que tem uma perspectiva totalmente diferente do mundo. Diz que a vida é preciosa, que não é preciso matar pessoas, que há que falar. Todos sabemos que não é assim tão fácil.
O seu mais recente trabalho vai poder ser visto no próximo filme de Tarantino. Pode falar um pouco sobre isso?
“The Hateful Eight”, sim. Trabalhei em todos os filmes do Quentin, todos um exercício de alegria e dedicação. Passámos dois meses a gravar no Colorado, junto a uma montanha, depois regressámos a Los Angeles, onde gravámos o resto num estúdio com temperaturas negativas, até dava para ver a respiração das personagens. Num mundo onde podiam apenas tê-lo feito digitalmente, o Quentin disse logo: “Não, os actores têm de o sentir, toda a gente tem de sentir.” O argumento é um dos meus preferidos, foi fantástico.
Qual é o seu filme preferido?
O meu filme preferido de sempre?
Não, do Tarantino.
Ah, diria provavelmente o “Cães Danados”. Escrevi três cartas de fã na vida e quando esse filme acabou escrevi-lhe uma. Disse–lhe: “Agora sei porque estou aqui, em Hollywood, porque queria estar envolvido em filmes como este.” E agora há uma coisa curiosa que ele faz. Quando o argumento está pronto não o envia por mail, tens de ir a casa dele beber uma marguerita ou uma tequila, é como uma festa.
Não foi só com Taratino que trabalhou…
Sim, estive nas rodagens de alguns dos melhores filmes dos últimos 30 anos. As pessoas perguntam-me como sabia que queria ser realizador… Não fazia ideia, aconteceu. O Frank Darabont disse-me: “Não queres realizar um episódio?” Disse que sim. Já trabalhei com os melhores realizadores do mundo: Spielberg, Darabont, Rodriguez, Carpenter, Craven. A melhor escola de sempre.
E_Taratino é diferente, é isso?
Depois de ter realizado o meu primeiro episódio de “The Walking Dead” fui gravar o “Django”. Ele veio ter comigo e disse: “Fala-me da tua experiência de realização.” Só queria saber o que achava, e aquilo pôs-me a pensar, arrisco-me a dizer que realizar me fez melhor nos efeitos especiais. Não vos quero aborrecer, mas vou contar uma história engraçada. Quando se agarra num argumento e se vê uma cena em que o Django está a ser torturado, preso de cabeça para baixo, tens de chegar junto do realizador e perguntar-lhe como vê a cena, isto em Junho, e a cena vai ser rodada em Março. E o realizador vai responder: “Não sei, ainda não estou aí, estamos em casting.” Mas da perspectiva dos efeitos temos de saber das coisas antes. O que aprendi a realizar é que o processo é bastante orgânico, não podes esperar que um realizador, sete meses antes de rodar uma cena, saiba como vai fazê-
-la, sobretudo quando esse realizador é o Tarantino. Portanto li o argumento e comecei a pensar o que ia querer para ali se fosse eu a realizar. Construímos aquilo com base no que achávamos que ele ia querer, e quando chegou às rodagens olhou e disse: “Isto está incrível.”
O que pensa de “Fear the Walking Dead”?
Gosto sobretudo que seja uma série bastante diferente da nossa, é muito específica e desde o início ficou claro que não queríamos fazer uma espécie de C.S.I. com zombies. Esta é a melhor maneira para expandir o nosso universo.
Ficou entusiasmado e curioso quando viu o filme “Jaws”…
Adoro esse filme.
Tem algum fascínio particular por tubarões?
Sem dúvida. Os meus pais levaram-me a ver muitos filmes quando era miúdo. Adorei a ideia deles, que foi: “Nós vamos levar–te a este filme embora não seja apropriado, mas tapamos-te os olhos.” O que só foi pior… para um miúdo com imaginação, cada vez que me tapavam os olhos imaginava dez vezes pior.
Quando o viu o que pensou?
O “Jaws” marcou-me pela forma como foi feito… mas a história divertida é outra. Em 1969 os meus pais estavam a pescar nas Bahamas e apanharam um tubarão de 3 metros que foi para a parede da nossa cave em Pittsburgh. Na noite em que vi o “Jaws” tive um pesadelo em que a cave se inundava e o tubarão começava a nadar, por isso tirei o tubarão da parede, fiz o meu próprio “Jaws” em super 8 e o tubarão neste momento está em Los Angeles, em minha casa.
Por quanto tempo lhe parece que “The Walking Dead” vai continuar?
Penso que temos mais uns anos à nossa frente. É inimaginável que estejamos na sexta temporada e ainda tenhamos 20 milhões de espectadores. As nossas classificações baixaram um pouco nos EUA e toda a gente disse: “Bem, é o fim para ‘The Walking Dead’.” Os gajos não prestam.
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O i viajou a convite da FOX.