© Manuel de Almeida/Lusa
Um delfim da velha ordem oligárquica do seu partido. Um protegido dos círculos de vanguarda da capital. António Costa sempre foi o político mais mimado da vida pública portuguesa. Isso faz com que, dos seus 40 anos de carreira política, só os últimos sejam realmente interessantes.
É nesse período que o escrutínio pressiona, que a desconstrução começa e a natureza se revela. Como na política nada é por acaso, não é por acaso que Costa escolhe a palavra “confiança” para a sua propaganda. Ele sabia que tinha um problema: os eleitores não confiavam em si. Como veio a verificar-se, 68% recusaram-no para primeiro-ministro. Praticamente sete em cada dez eleitores querem-no a milhas do governo.
O problema da confiança nem sequer é novo para Costa. Em 2011, com o país à beira da bancarrota, recusou a liderança do PS por não ser “possível acumular” com a presidência da CML. Repetiria o argumento dois anos depois, no primeiro assalto à liderança de António José Seguro.
Como “palavra dada é palavra honrada” (cito-o), assina o Documento de Coimbra – um pacto de não agressão ao segurismo a troco de uns lugares nas listas ao Parlamento Europeu. Seguro vence as europeias, tem mais 3,75% do que a coligação. Costa acha “poucochinho”.
É fraco argumento, mas é argumento suficiente para trair Seguro, rasgar o documento e virar costas a Lisboa. Seguro e Costa partem para primárias nas quais militantes e simpatizantes tinham de escolher o “candidato do PS a primeiro-ministro”.
Costa ganha o partido e acredita que os portugueses vão plebiscitar a sua maioria absoluta. Azar dele, sorte nossa, o país vai saindo da crise. E a cada vitória do país, o PS reage com azedume. O comportamento de Costa nas sondagens é igual ao do desemprego nas estatísticas: sempre a cair. Costa guina à esquerda, radicaliza o discurso, corta com a tradição do PS. Pede maioria absoluta, mas perde absolutamente. A derrota é por “muitochinho” – Seguro ficara 3,75% à frente e Costa 4,55% atrás.
Uma cratera de 8,3%. Mas tudo normal, Costa não se demite.
Com bom senso, no rescaldo de uma das maiores derrotas do PS em legislativas, sugere que procurará pontes em quatro pontos que permitam defender o seu programa. Mas mesmo antes de se sentar à mesa com Passos Coelho e Portas, vai com comitiva à sede do PCP. Depois ao Bloco.
A coligação oferece um roteiro para um compromisso entre os motores da transição democrática e da integração euro-atlântica. Nele estão mais de 20 medidas do PS. Mas o PS não quer. Prefere esquartejar o cenário macroeconómico de Centeno à mesa do BE e do PCP. Olhando para a equipa de negociadores do PS, tudo faz sentido: estão lá Pedro Nuno Santos (“estou-me marimbando para a dívida”) e Carlos César, que com orgulho assumiu que “o programa do PS tinha propostas do Syriza”.
Perdidas as legislativas e com António Costa a ter de cumprir os seus próprios estatutos, que impõem eleições internas num máximo de 90 dias após o acto eleitoral, embarcou na loucura da maioria negativa, que é contra o desejo manifesto nas urnas. Contagiado pelo êxtase revolucionário,
Costa acredita que dar valor aos votos é uma maçada (afinal, não há vencedores nem vencidos em democracia), decreta o fim dos governos de minoria e exige posse imediata a Cavaco Silva, acenando com um acordo que nunca ninguém viu e poucos sabem se existe. Um gambuzino político.
Uma solução sem estabilidade, sem viabilidade e sem autoridade política. Costa sabe-o, mas é mais forte do que ele procurar uma linha no currículo. A de ex-primeiro-ministro que, pensa ele, poderá ser o seu seguro de vida às custas dos portugueses.
Responsabilidade de uma liderança que corre desenfreada para sobreviver, o PS foi atirado para os braços de comunistas ortodoxos e do caleidoscópio das esquerdas que votaram contra o Tratado de Lisboa e o Tratado Orçamental e são pela saída de Portugal da UE e da NATO.
O PS como força moderada, comprometida com a economia social de mercado, com a democracia liberal e com a integração euro-atlântica de Portugal está em risco de se transformar numa relíquia da vida democrática.
Há um PS antes de Costa e um PS depois de Costa. O último não chega aos calcanhares do primeiro.
Escreve à quarta-feira