Metáforas conjugais


Em Portugal há três tipos de metáforas políticas: com doenças, futebolísticas ou conjugais. O problema é haver tão pouca gente com talento para as fazer.


Há dias, numa conversa memorável com Maria João Avillez na TVI 24, Joaquim Aguiar ensaiava uma metáfora sem grande sucesso. Falou de um primeiro prato que não está bom e que é rejeitado pelo cliente no restaurante. Depois vem o segundo prato e fica tudo bem. “E o primeiro prato é o governo, é isso?”, perguntava Maria João Avillez, a tentar seguir um raciocínio que ambicionava à originalidade. Joaquim Aguiar estava a associar um gesto quotidiano à rejeição do governo e a experimentar uma metáfora nova sem sucesso. 

Em Portugal há três tipos principais de metáforas para descrever a actualidade política: com doenças, futebolísticas e conjugais. Durante a crise fomos “doentes terminais”, íamos “morrer da cura”, e outras ideias parecidas. O país estava em “estado terminal”, a ser sujeito a um “tratamento agressivo”. Recordo nesta altura com imensa saudade a metáfora extraordinária de Manuela Ferreira Leite quando se pôs a hipótese – que não se verificaria, como sabemos – de Portugal ter um programa cautelar: “Se um dia estiver engessada durante dois anos e meio com duas pernas partidas acham que começo a andar sozinha e não preciso de muletas?” Não aconteceu nada disto, portanto das três uma: ou Portugal não tinha as pernas partidas ou houve um milagre e um dia levantámo-nos e andámos ou ainda estamos a ser transportados diariamente para a fisioterapia.

O problema das metáforas é haver pouca gente com talento para as fazer. No entanto, a falta de jeito não parece um inibidor. Há dias, para explicar os resultados das eleições, Carlos César fez uma metáfora futebolística: “[…] a coligação foi a formação política mais votada. Mesmo se fosse um jogo de futebol e se se tratar de um jogo a duas mãos, ganhar à primeira por 1-0 e perder à segunda por 2-0, não é um bom resultado para quem perdeu por 2-0.” Não se importa de repetir? O problema das metáforas futebolísticas, além de serem chatas, é só chegarem aos que falam futebolês.

Percebi melhor o resultado das eleições que a metáfora de Carlos César. Depois há o risco de se futebolizar o discurso político, o que divide muito. Às tantas já estamos a torcer por equipas, o que não nos leva a lado nenhum. Mal por mal, antes as doenças.

Prefiro as metáforas conjugais. São reveladoras do tipo de relacionamento que esperamos existir entre políticos, partidos, no Estado e até na vida empresarial em Portugal. O meio é pequeno e tende a não casar fora. É monogâmico, emocional, infiel, dado a relações conflituosas e a palavra “divórcio” aparece por tudo e por nada. O Verão de 2013 foi prolífero em metáforas conjugais. Há pouco falou-se de uma possível relação de matrimónio entre a coligação e o PS, esquecendo que já há um casamento na coligação – estável depois da crise mencionada. Agora estamos a ser confrontados com a possibilidade de termos um governo PS-PCP-BE. Como são de esquerda, vão evitar o matrimónio. Aqui está uma das razões por que uma aliança de esquerda não me anima: vai dar-nos cabo das metáforas conjugais e reduzir tudo à frivolidade do sexo a três.

Escreve à segunda-feira  

Metáforas conjugais


Em Portugal há três tipos de metáforas políticas: com doenças, futebolísticas ou conjugais. O problema é haver tão pouca gente com talento para as fazer.


Há dias, numa conversa memorável com Maria João Avillez na TVI 24, Joaquim Aguiar ensaiava uma metáfora sem grande sucesso. Falou de um primeiro prato que não está bom e que é rejeitado pelo cliente no restaurante. Depois vem o segundo prato e fica tudo bem. “E o primeiro prato é o governo, é isso?”, perguntava Maria João Avillez, a tentar seguir um raciocínio que ambicionava à originalidade. Joaquim Aguiar estava a associar um gesto quotidiano à rejeição do governo e a experimentar uma metáfora nova sem sucesso. 

Em Portugal há três tipos principais de metáforas para descrever a actualidade política: com doenças, futebolísticas e conjugais. Durante a crise fomos “doentes terminais”, íamos “morrer da cura”, e outras ideias parecidas. O país estava em “estado terminal”, a ser sujeito a um “tratamento agressivo”. Recordo nesta altura com imensa saudade a metáfora extraordinária de Manuela Ferreira Leite quando se pôs a hipótese – que não se verificaria, como sabemos – de Portugal ter um programa cautelar: “Se um dia estiver engessada durante dois anos e meio com duas pernas partidas acham que começo a andar sozinha e não preciso de muletas?” Não aconteceu nada disto, portanto das três uma: ou Portugal não tinha as pernas partidas ou houve um milagre e um dia levantámo-nos e andámos ou ainda estamos a ser transportados diariamente para a fisioterapia.

O problema das metáforas é haver pouca gente com talento para as fazer. No entanto, a falta de jeito não parece um inibidor. Há dias, para explicar os resultados das eleições, Carlos César fez uma metáfora futebolística: “[…] a coligação foi a formação política mais votada. Mesmo se fosse um jogo de futebol e se se tratar de um jogo a duas mãos, ganhar à primeira por 1-0 e perder à segunda por 2-0, não é um bom resultado para quem perdeu por 2-0.” Não se importa de repetir? O problema das metáforas futebolísticas, além de serem chatas, é só chegarem aos que falam futebolês.

Percebi melhor o resultado das eleições que a metáfora de Carlos César. Depois há o risco de se futebolizar o discurso político, o que divide muito. Às tantas já estamos a torcer por equipas, o que não nos leva a lado nenhum. Mal por mal, antes as doenças.

Prefiro as metáforas conjugais. São reveladoras do tipo de relacionamento que esperamos existir entre políticos, partidos, no Estado e até na vida empresarial em Portugal. O meio é pequeno e tende a não casar fora. É monogâmico, emocional, infiel, dado a relações conflituosas e a palavra “divórcio” aparece por tudo e por nada. O Verão de 2013 foi prolífero em metáforas conjugais. Há pouco falou-se de uma possível relação de matrimónio entre a coligação e o PS, esquecendo que já há um casamento na coligação – estável depois da crise mencionada. Agora estamos a ser confrontados com a possibilidade de termos um governo PS-PCP-BE. Como são de esquerda, vão evitar o matrimónio. Aqui está uma das razões por que uma aliança de esquerda não me anima: vai dar-nos cabo das metáforas conjugais e reduzir tudo à frivolidade do sexo a três.

Escreve à segunda-feira