Desde 2009 que o circuito mundial passa por Supertubos, mas em tempo algum o público de Peniche tinha vivido um dia tão incrível como o último. Nos seus anos na elite, Tiago Pires nunca conseguiu vencer uma bateria na Região Oeste. Pois ontem a nova geração – a competir com wildcards – ofereceu uma prenda enorme aos adeptos portugueses.
Frederico Morais e Vasco Ribeiro venceram as suas baterias e derrubaram, no espaço de uma hora, os dois melhores surfistas do mundo: Mick Fanning e Adriano de Souza. Kikas ainda voltou à água na ronda 4, e foi novamente o melhor, contra Nat Young e Joel Parkinson. Com isto garantiu um lugar nos quartos-de-final.
De seguida, a prova foi interrompida antes da bateria que oporá Vasco Ribeiro a Jeremy Flores e Keanu Asing. Ojovem campeão mundial júnior em 2014 tentará igualar o feito de Frederico (a próxima chamada é hoje às 7h00) e Portugal pode ter dois surfistas entre os oito melhores da prova. Os wildcards portugueses atrapalharam a luta pelo título entre Fanning e Mineirinho, intrometendo-se entre os grandes do surf mundial.
Kikas foi o herói do dia. Venceu duas baterias, uma delas contra o actual líder do ranking, e sempre com pontuações elevadas e surf de alto nível. “É inacreditável. O Mick Fanning é o meu surfista preferido e um atleta incrível, um surfista inacreditável mesmo. Ganhar-lhe em casa com bom surf, boas ondas, é fora do normal”, afirmou o surfista de Cascais.
Frederico abriu a bateria com uma onda de 9,03 pontos, e pouco depois conseguiu um 6,83, deixando o tricampeão mundial em combinação a precisar de 16 pontos. A superioridade do português foi tal que, pouco antes de o heat terminar, Fanning se aproximou dele para lhe dar os parabéns. “É bom dar um abraço ao Mick. Não posso esconder que tive de lhe pedir desculpa. Não quero de modo algum interferir no título mundial, porque ao fim e ao cabo estou aqui e não tenho nada a ganhar, apenas a provar a mim mesmo.”
Apesar de ter sido batido por um wildcard, o australiano foi um gentleman a assumir a derrota. “Antes de me levantar já estava a precisar de 16 pontos. Tentei recuperar, lutar da melhor maneira que pude, mas não foi suficiente. O Frederico é um grande surfista, já o conheço há alguns anos. Tem vindo a ficar mais forte. Bateu o Adriano no round 1, já tinha vencido o Kelly aqui [2013]. Foi um grande dia para Portugal”, confessou Fanning.
Ao contrário de Mineirinho, que abandonou o local do evento com cara de poucos amigos, o australiano mostrou um enorme fair play, apesar de os seus 14,40 pontos não terem chegado para bater os 16,03 de Kikas:“Dei os parabéns ao Frederico. Ele pediu-me desculpa, mas não tem de o fazer. Já estive no lugar dele quando era jovem e também venci os meus heróis. Vai ser um dia para ele recordar e espero que continue em frente e consiga um bom resultado. Não tenho nada contra ele. Foi lá fazer o seu trabalho e eu o meu. O trabalho dele foi melhor que o meu! É o surf.”
Kikas estava imparável e voltou a entrar com tudo no round 4, com uma onda de 9,13. Terminou o heat com 14,96 pontos, relegando Nat Young (14,50) e Joel Parkinson (7,43) para a repescagem. Olugar que alcançou nos quartos-de-final é inteiramente merecido.
Antes, Vasco Ribeiro também voltou a brilhar. O jovem já tinha deixado para trás o n.o 3 mundial, Owen Wright, no primeiro dia de prova; desta vez eliminou o segundo do ranking, Adriano de Souza, com 14,36 contra 11,80 pontos. “Sabia que ia ser um heat muito difícil porque o Adriano é um surfista incrível. Não tinha nada a perder, acima de tudo queria divertir--me e chegar o mais longe possível. Lembro-me de estar a entrar para a água e ver o Kikas a passar. Isso deu-me imensa força, pensei “também vou passar”, revelou.
Apesar da vitória, Vasco vai torcer pelo brasileiro no Havai (última etapa):“Acho que o Mineirinho este ano merece ser campeão, está há muitos anos no tour e admiro-o muito. Fiquei um bocadinho mais aliviado porque o Fanning também perdeu.”
Durante anos, Tiago Pires sentiu o grande apoio do público e a enorme pressão de querer vencer em casa. Os jovens parecem ter lidado melhor com a situação e já derrubaram alguns dos maiores nomes na prova.
“É incrível estar a surfar e ouvir as pessoas gritar, uma pessoa até fica nervosa. Nem olho muito para a areia para não ver que está tanta gente. É óptimo sentir que as pessoas estão aqui a apoiar os surfistas portugueses”, confessou o surfista da praia da Poça. E agora, onde vão parar? “Esse é o sonho, chegar à final. E de preferência eu e o Kikas [risos]!”