O cientista Alexandre Quintanilha, deputado recém-eleito pelo PS, sente-se como se estivesse no primeiro dia de aulas. “É uma coisa nova, é como entrar pela primeira vez na escola”, disse ao i, de pasta e casaco na mão, abraçando agora um novo desafio. A sentir-se “excitado”, espera agora “não dizer disparates”, mas mantendo sempre uma atitude que, segundo o próprio, o tem acompanhado na vida:“As expectativas em alta.” Elá seguiu dando lugar a outros colegas seus, entre os quais o secretário-geral doPS, António Costa, que passados 11 anos volta a entrar na AR como deputado. “Estás pronto para a nova escola?”, perguntou Costa a Tiago Brandão Rodrigues, outra novo deputado socialista. Quem estava sem sorte era André Silva, o deputado eleito pelo PAN, que teve uma complicação no Salão Nobre, porque o seu partido ainda não estava inscrito nos serviços informáticos.
Logo à chegada, o inesperado deputado eleito pelo Partido Pessoas-Animais-Natureza, já se encontrava visivelmente atarefado – sem gravata e de ténis –,à espera de fazer a acreditação inicial. Previa-se um dia difícil para quem entra pela primeira vez na casa da democracia como deputado. Uns metros à frente, os primeiros encontros entre ideologias opostas, bastante animados. “Há muito tempo que não as via!”, disse José Matos Correia, doPSD, às deputadas do PS que seguiam viagem no elevador, já o relógio batia as 9h40, 20 minutos antes da primeira sessão no hemiciclo, que teve Alberto Martins do PS como presidente da AR interino.
Antes da reunião no hemiciclo é preciso tratar da parte burocrática, isto é, passar entre meia a uma hora no Salão Nobre para fazer a inscrição, dar diversos dados biográficos e receber algum “material de estudo”– a Constituição, o Regimento da Assembleia, entre outros – para os tempos trabalhosos que se avizinham. “É reeleito/a?”, foi a pergunta da praxe dos funcionários responsáveis por autenticar todos os novos membros da Assembleia. Destes 230, mais de um terço nunca tinham tido a experiência do que é ser deputado.
Uma confusão optimista Trrriii! A campainha tocava e as burocracias teriam de ser interrompidas. Era agora tempo da tal sessão plenária e, posteriormente, das reuniões dos grupos parlamentares. Acorreria para chegar sem atrasos era muita, passando pelos muitos cabos e jornalistas que por ali se cruzavam. “Já se pode passar? Fogo…”, desabafou um funcionário que transportava dossiês num carrinho de compras, demonstrando a confusão que muitas vezes se instalou ao longo do dia.
Mas apesar deste novo parlamento ter uma maioria de deputados de esquerda, há também figuras novas no PSD e no CDS. “É um dia diferente, sim, mas um novo desafio enriquecedor com o sentido de vir servir o país”, afirmou ao i Helga Correia, eleita pela coligação Portugal à Frente, por Aveiro. Sem nervosismos, a profissional de seguros, que é Presidente das Mulheres Sociais-democratas no distrito, não está “nervosa” num primeiro dia em que “passa de fazer política local para política nacional”.
Com a primeira fase de trabalhos terminados, chegava a altura de almoçar. É que às 15h00 seria eleito o novo presidente da Assembleia da República e era preciso votar para o efeito. Antes, já o secretário-geral doPCP, Jerónimo de Sousa, tinha criticado o discurso de anteontem do Presidente da República, Cavaco Silva, tal como Isabel Moreira, doPS. E o Bloco já se tinha manifestado, com T-shirts a rigor, pela libertação imediata de Luaty Beirão, o activista angolano que está em greve de fome há cerca de um mês. Trocas de acusações que também pintaram, de fora para dentro, toda esta primeira sessão plenária.
Ferro Rodrigues venceu e a direita acabou por contestar democraticamente a decisão. Oúnico deputado que se absteve de entrar nesta guerra do poder foi André Silva, que resolveu ficar em silêncio, talvez na esperança de dias com mais sorte. Quem optou por falar já no fim, neste caso ao i, foi Ana Mesquita, a arqueóloga de 36 anos eleita pelo PCP, que confessa que a partir de agora “será um dia de cada vez”. Já o estudante Luís Monteiro(BE), o mais novo na AR, com 22 anos, dá uma garantia da sua parte: “É a oportunidade de trazer a força da esperança de fora para dentro”, conta.
“Este elevador não desce para o zero?”, perguntou uma deputada a uma jornalista. Não é de estranhar a falta de orientação de algumas destas caras, afinal esta é mesmo uma nova etapa, dure o tempo que durar.Mas é preciso não esquecer: na próxima quarta-feira há nova sessão plenária e é preciso começar a acertar o passo, quer a legislatura dure um ano ou, no melhor dos cenários, os quatro anos completos.
Se a sexta-feira é, por norma, o dia mais esperado da semana porque antecede os dois dias de descanso, para os 230 novos deputados da XIII Legislatura a regra alterou-se: foi o dia em que tomaram posse, correram de um lado ao outro os quatro cantos do seu novo local de trabalho – leia-se Assembleia da República (AR) – para o conhecer e o dia em que votaram para eleger o novo presidente da AR, o socialista Ferro Rodrigues. Não faltou a azáfama normal de quem regressa ao trabalho e a atrapalhação do início de uma nova etapa dos recém-eleitos representantes do povo português, com uma ou outra entrada na sala errada. E, claro, a tensão visível graças a um clima crispado entre os dois maiores partidos, PSD e PS, que parecem não chegar a acordo para coisa nenhuma.