“Oanticavaquismo é como o antibenfiquismo, capaz de federar todos os outros.” Oparalelo vem de um socialista e resume o estado de coisas no PS: há um antes de Cavaco Silva falar e um depois. No antes, havia dúvidas sobre o acordo à esquerda, no depois há uma esquerda e um PS todos a remar para o mesmo lado: demitir o governo. E a avisar o Presidente da República de que não há margem constitucional para deixar o actual governo em gestão depois disso.
Esse receio existe, mas os socialistas com quem o i falou não querem acreditar que possa acontecer. “Seria um tal escândalo que não posso admitir”, diz Jorge Lacão, que acredita que o Presidente da República “não tem forma de deixar o governo em gestão”. “Pode demitir um governo se estiver em causa o regular funcionamento das instituições. Pode exigir isso aos outros e não o exigir a si próprio?”, questiona.
O deputado do PS e constitucionalista Pedro Bacelar de Vasconcelos diz que, quando o governo cai, “o Presidente tem de abrir imediatamente o processo de auscultação dos partidos” para apurar condições para formar outro governo. “Não há dispensa do Presidente. Os governos de gestão são incidentes, não são uma solução, são transitórios”, argumenta este membro da direcção de António Costa, que acrescenta logo de seguida que “a criação de uma situação de crise é da exclusiva responsabilidade do Presidente da República”.
O deputado socialista Vitalino Canas diz mesmo que deixar o actual governo em gestão, sem procurar se há partidos com condições de garantir uma governação com apoio maioritário, é “impossível do ponto de vista constitucional”. “Os poderes do Presidente são de dever, não pode deixar de nomear. Não há possibilidade de se manter um governo em gestão por inércia do Presidente.” Pedro Delgado Alves, outro deputado constitucionalista, não tem dúvidas de que a solução é inconstitucional. “É uma inconstitucionalidade sem sanção”, diz, advertindo que se Cavaco Silva optar por esta solução, nada pode ser feito. Já Vieira da Silva diz que a solução “não é politicamente viável. Seria desastroso”, remata, exemplificando com as consequências que isso teria na confiança dos investidores e outros agentes económicos.
A crise que aí vem, fruto de um governo demitido, já ninguém à esquerda deixa de assumir. Ontem de madrugada, a comissão política nacional do PSmandatou o grupo parlamentar do partido para avançar com uma moção de rejeição ao programa do governo (a juntar à do PCP e do BE), bem como para o reforço das negociações com a esquerda a fim de se chegar a uma conclusão (esperada para os próximos dias). Uma jogada na sequência da comunicação do Presidente da República que juntou os socialistas: houve apenas duas abstenções (quando há muitas dúvidas internas sobre o acordo) na proposta aprovada por este órgão do PS.
A crise está garantida, mas a esquerda atira a sua responsabilidade para Cavaco Silva. É assim no PS, é assim no Bloco de Esquerda e também no PCP. Jerónimo de Sousa convocou ontem os jornalistas para uma conferência de imprensa no parlamento onde atirou que “o Presidente será responsável pela instabilidade que seja criada”. As vozes de esquerda apareceram já politicamente muito alinhadas no parlamento e conseguiram testar com êxito a maioria parlamentar de 122 deputados que PS, PCP e BE têm juntos (ver texto ao lado). Com Susete Francisco