Acabaram-se os devaneios antidemocráticos e antiparlamentares de todos aqueles que pretendiam que um mero trinta-e-um de boca de uma “maioria de esquerda” se substituísse ao parlamento na eventual demissão de um governo da PàF, algo que era visto como mera “perda de tempo”. Só faltou dizerem-nos que as próprias eleições também eram um desperdício, que eles é que sabiam muito bem o que o povo queria, como muitos dos seus correligionários fizeram no passado e também noutras paragens.
Como era sua obrigação constitucional, o PR indigitou Passos Coelho para formar um novo governo.
Parece cada vez mais claro que o PCP andou as últimas semanas apenas a tourear o PS e que nunca teve a mais leve intenção de integrar um eventual executivo de esquerda. A prova final disso foi a apresentação pelos comunistas, em Bruxelas, de uma proposta de apoios para quem saia do euro. Se isto não é torpedear uma maioria de esquerda, é o quê? Ainda por cima, porque o PCP age sempre em “colectivo”, coordenada pelo comité central.
Assumindo que os comunistas não vão integrar um governo de esquerda, será totalmente ridículo o PS derrubar um executivo apoiado por 107 deputados (PàF) para o substituir por outro que representa apenas 105 deputados (PS-BE).
Mas é também evidente que um governo da PàF, apenas com maioria relativa, corre o risco de ter a vida curta. É por isso que me parece interessante considerar uma eventual coligação destes partidos com o BE, por mais surpreendente que ela pareça à partida. Há que reconhecer que o BE sofreu uma profunda transformação nos últimos meses, seguindo, aliás, as pisadas do Syriza. Em primeiro lugar, o BE passou de um partido de protesto para um partido de poder, em parte como resposta à concorrência das suas dissidências. Em segundo lugar, e em consequência disso, passou a aceitar fazer cedências e compromissos, trabalho que já realizou nas negociações com o PS.
Do ponto de vista da PàF, parece mais interessante negociar com o BE do que com o PS. Podemos considerar estas negociações em três capítulos: ideológico, orçamental e de aparelho. Em termos ideológicos, o BE seria mais exigente, mas algumas destas reivindicações são tão folclóricas que a cedência é quase irrelevante, para além de que os líderes da PàF não são muito rígidos. Do ponto de vista orçamental, está tudo tão condicionado por Bruxelas que até o Syriza já cedeu a tudo. Do ponto de vista dos aparelhos, infelizmente muito mais importante do que seria desejável, o BE seria infinitamente menos exigente do que o PS, que não só é muito maior como tem o hábito de ir ao pote, como se autodenunciou e como a acusação a Sócrates deverá revelar-se muito instrutiva.
Do ponto de vista do BE, é preferível integrar um governo com a PàF do que com o PS, e esta segunda hipótese talvez nem sequer chegue a colocar-se. Um executivo PS-BE será sempre instável por minoritário, podendo ser derrubado a qualquer altura, inclusive já na Primavera de 2016. Em contrapartida, uma coligação PàF-BE tem a maioria absoluta e a sua sobrevivência estará na mãos do BE que, assim, terá um substancial poder negocial.
Imagino o BE com a pasta da Segurança Social, a eliminar as injustiças sobre os precários dos recibos verdes, extremamente orgulhoso de melhorar as condições de vida de muitos dos seus eleitores. Este e outros sucessos deverão constituir um travão às exigências do BE, que também não deverá querer parar rapidamente esta sua experiência inaugural. Se este executivo durar a legislatura, o BE até se poderá transformar no partido-charneira do regime.
Economista
Escreve ao sábado