Passos indigitado. Cavaco recusa PS no governo com o apoio do Bloco e do PCP

Passos indigitado. Cavaco recusa PS no governo com o apoio do Bloco e do PCP


Presidente alertou para “as consequências económicas e sociais” de um governo PS apoiado por BE e PCP. Passos vai formar governo. 


O Presidente da República prefere sair de Belém com um governo Passos em gestão, depois de ver o seu programa chumbado no parlamento pelo PS, Bloco e PCP, do que dar posse a um governo de esquerda. O discurso do Presidente ontem à noite confirmou a manchete do i do dia 15 de Outubro, que afirmava que Cavaco Silva não daria posse a um governo de esquerda.

A frase chave é a última do discurso do Presidente da República: “É aos deputados que compete decidir, em consciência e tendo em conta os superiores interesses de Portugal, se o governo deve ou não assumir em plenitude as funções que lhe cabem”. Ora, se o parlamento não deixar que o governo assuma “em plenitude”, o governo ficará em gestão. E Cavaco apelou à “consciência” – e não à disciplina de voto – admitindo que ainda podem existir deputados socialistas que estão contra o acordo à esquerda disponíveis para viabilizar um governo minoritário de Passos Coelho.

Para sustentar esta decisão, o Presidente da República praticamente descreveu o Armagedão que seria dar posse a um governo PS apoiado pelo Bloco e PCP, dois partidos que estão contra o Tratado Orçamental, o Tratado de Lisboa e a União Económica e Monetária, depois de fechado o ciclo da troika. “Este é o pior momento para alterar radicalmente os fundamentos do nosso regime democrático, de uma forma que não corresponde sequer à vontade democrática expressa pelos portugueses nas eleições do passado dia 4 de Outubro”, disse o Presidente da República.

Cavaco insistiu nas “consequências graves para o país” da solução PS+BE+PCP em contraponto com a nomeação de um executivo Passos Coelho sem apoio parlamentar. “Se o governo formado pela coligação vencedora pode não assegurar inteiramente a estabilidade política de que o país precisa, considero serem muito mais graves as consequências financeiras, económicas e sociais de uma alternativa claramente inconsistente sugerida por outras forças políticas”. Para o Presidente, “é significativo que não tenham sido apresentadas, por essas forças políticas, garantias de uma solução alternativa estável, duradoura e credível”.

A ideia de ver o PCP e o Bloco de Esquerda a contribuirem para uma solução governativa causa mesmo repúdio ao Presidente da República. “Em 40 anos de democracia, nunca os governos de Portugal dependeram do apoio de forças políticas antieuropeístas que, nos programas eleitorais com que se apresentaram ao povo português, defendem a revogação do Tratado de Lisboa, do Tratado Orçamental, da União Bancária e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, assim como o desmantelamento da União Económica e Monetária e a saída de Portugal do Euro, para além da dissolução da NATO”, disse Cavaco.

Um governo destes assustaria os mercados e agravaria a crise. “Depois de termos executado um exigente programa de assistência financeira, que implicou pesados sacrifícios para os portugueses, é meu dever, no âmbito das minhas competências constitucionais, tudo fazer para que impedir que sejam transmitidos sinais errados às instituições financeiras, aos investidores e aos mercados, pondo em causa a confiança e a credibilidade externa do país que, com grande esforço, temos vindo a conquistar”, afirmou o Presidente.

Cavaco lembrou que PS, PSD e CDS estiveram sempre juntos na aprovação dos documentos estruturais da União Europeia e que, neste momento, deviam chegar a um acordo – por oposição de um acordo do PS com “as forças anti-europeístas”. 

“É tanto mais incompreensível que as forças partidárias europeístas não tenham chegado a um entendimento quando, num passado recente, votaram conjuntamente, na Assembleia da República, a aprovação do Tratado de Lisboa, do Tratado Orçamental e do Mecanismo Europeu de Estabilidade, enquanto os demais partidos votaram sempre contra”.

E agora? Passos está a partir de ontem à noite com o poder de formar governo que, de resto, já disse “ter na cabeça”. O Presidente dará posse ao governo que Passos lhe propuser.

Agora, há dois cenários em aberto: ou o PS (ou alguns deputados socialistas) mudam de ideias depois de ouvir que o Presidente não dá posse a um governo de esquerda e aceitam chumbar a moção de rejeição do programa de governo que vai ser apresentada pelo Bloco de Esquerda e o PCP, ou mantém o acordo de esquerda e chumba.

Se Cavaco não mudar de ideias relativamente ao discurso de ontem à noite, não chamará António Costa, líder do segundo partido mais votado, a formar governo. Deixará o governo Passos em gestão, uma vez que já tem competência para dissolver a Assembleia da República e convocar novas eleições por estar nos últimos meses do seu mandato – que termina quando o novo Presidente tomar posse, em Março de 2016.

Um governo de gestão tem poderes mínimos. Se não estiver em “plenitude de funções”, o governo não pode aprovar orçamento e o país viverá em duodécimos. Quando tomar posse, o próximo Presidente da República tem duas opções: mantendo-se o governo Passos sem apoio parlamentar, o novo PR pode chamar o PS a formar governo ou esperar por Abril – o parlamento não pode ser dissolvidos nos primeiros seis meses de mandato – para convocar novas eleições. Entretanto, há congresso do PS marcado para depois das presidenciais e a liderança de António Costa irá a votos.