O discurso de Cavaco Silva garantiu tudo aquilo que ele não desejava, afirmou esta sexta-feira Pacheco Pereira, para quem a comunicação do Presidente da República uniu o PS e a esquerda, fragilizou o Governo e deixou-o num beco sem saída.
Cavaco Silva “garantiu, no dia seguinte [ao discurso em que anunciou ter indigitado Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro], quase tudo aquilo que não desejava”, afirmou José Pacheco Pereira, hoje, no Festival Literário Internacional de Óbidos.
O discurso do Presidente, segundo Pacheco Pereira, é “o exemplo lapidar de como as coisas podem resultar exactamente ao contrário”, já que, defendeu, “em vez de dividir o PS uniu o PS, em vez de criar dificuldades para os partidos de esquerda criou uma fúria tão grande que ultrapassou as duas debilidades, fragilizou o governo que pretendia apoiar e criou um beco sem saída para a sua própria decisão”.
“Em vez de dividir o PS uniu o PS, em vez de criar dificuldades para os partidos de esquerda criou uma fúria tão grande que ultrapassou as duas debilidades, fragilizou o governo que pretendia apoiar e criou um beco sem saída para a sua própria decisão”
Uma decisão que, sustenta, “vai ter resultados catastróficos” já que, quando “a estratégia de vitimização do governo era absolutamente fundamental para as próximas eleições”, com a sua mensagem acabou por “vitimizar aqueles que se opõem ao governo”.
O tema será central na próxima crónica de José Pacheco Pereira, que hoje debateu com outro cronista, Ferreira Fernandes, o género jornalístico que os une.
Leitores um do outro, os dois cronistas trocaram elogios e partilharam algumas das histórias que, ao longo dos anos, têm servido de inspiração às respectivas crónicas.
Já ao jornalismo de “sound-bite” e ao “debate humorístico”, Pacheco Pereira não poupou críticas.
“Há coisas que não cabem no escrever pouco” disse, referindo-se “à tendência para substituir a razão pelo 'sound-bite', sobretudo, “nos noticiários da televisão onde não cabe um único argumento racional”.
Se alguém usar três frases para explicar um argumento racional, “já sabe que não entra no telejornal”, mas se, pelo contrário, “tropeçar ou disser uma frase assassina, já sabe que está no telejornal”.
Algo que, para o comentador, “tem um efeito devastador na vida pública”, com utilização de metáforas em vez da “explicação racional das coisas”.
É por isso também que diz ser “muito crítico da substituição do debate político pelo debate por humoristas”, nos quais se recusa a participar, por recursar “o culto do 'engraçadismo'”.
A mesa em que os cronistas, moderados por Ana Sousa Dias, debateram “Crónica e Literatura”, foi a terceira de quatro mesas realizadas hoje no âmbito Folio – Festival Literário Internacional, que decorre em Óbidos até domingo.
A última juntou Javier Cercas e José Riço Direitinho, numa conversa sobre a densa obra do escritor espanhol e, através dela, sobre Espanha e a Europa, num momento de crise e reflexão.
Organizado em cinco capítulos (Folia, Folio Autores, Folio Educa, Folio Ilustra e Folio Paralelo), o festival é palco, de lançamentos de livros, debates, mesas redondas, entrevistas, sessões de autógrafos e conversas (improváveis, segundo a organização), entre mais de uma centena de escritores e os leitores.
Lusa