A perda da virgindade e a gestão das expectativas


Por estes dias muito se tem escrito em torno dos perigos do extremismo político no apoio parlamentar  a um governo minoritário.


© Mário Cruz/Lusa

Tal não deve assustar o leitor amigo que guarda em casa, devidamente encadernada com ferros gravados a ouro na lombada, a colecção completa d’“O Independente”, onde Paulo Portas porfiou na demonização da União Europeia, com destaque para a escalpelização das insuficiências do Tratado de Maastricht e dos seus defensores na Lusitânia, recomendando apaixonadamente a não ratificação da “coisa”.

O contraponto entre o cronista de “Antes pelo contrário” e o vice-primeiro-ministro do XIX Governo Constitucional deve tranquilizar todos aqueles que se preocupam com a presença de extremistas anti-União Europeia na base de apoio a um qualquer governo.

Também a continuação de Portugal na NATO parece afligir muitas almas esforçadas. Vale a pena lembrar que os extremistas estão por todo o lado, até na vizinha Espanha. Por lá, o PSOE, estando na oposição, defendeu como lema “OTAN de entrada no”. Já no governo, o extremista Filipe González promoveu um referendo sobre a permanência de Espanha na NATO, referendo em que jogou a sua continuidade como PM e que acabou por ganhar.

Para os cultores dos perigos do extremismo, recomendo o estudo do devir das três condições que a pergunta do referendo incluía para justificar a continuação da Espanha na NATO: não incorporação na estrutura militar integrada; proibição de instalação, armazenagem ou introdução de armas nucleares no território espanhol; e redução progressiva da presença militar dos Estados Unidos em Espanha.

Ainda em benefício das almas preocupadas com os extremismos, valerá a pena assinalar que um governo PS apoiado no parlamento pelo BE e pelo PCP também confere alguma margem negocial acrescida em Bruxelas, a quem se deverá explicar pacientemente que há que contentar várias sensibilidades da base política de apoio.

Num contexto de redefinição de alinhamentos políticos no seio do Conselho Europeu, de renegociação da presença do Reino Unido e de regresso de uma política externa portuguesa, esta é uma “bargaining chip” que deve ser jogada com inteligência.

No contexto português, a perda da virgindade política só está concluída com a ida para o governo. E não deixa de ser curioso detectar no discurso do BE uma maior apetência pela consumação do acto, face à castidade revelada pelas declarações de Jerónimo de Sousa.

Consciente do sucesso mediático e eleitoral da recente liderança, o BE sabe do perigo inerente ao ficar-se pelo apoio parlamentar a um governo PS, perigo que se pode traduzir num menos bom resultado nas próximas eleições legislativas. E terá consciência da decorrência natural de um governo de coligação bem-sucedido: a apresentação de uma coligação pré--eleitoral. Também aqui, a margem de manobra do PCP afigura-se ser muito mais reduzida.

A diabolização de um futuro governo do PS apoiado pelo BE e pelo PCP tem consumido toda a energia do PSD e do CDS-PP, ainda que sem qualquer eco na realidade, com os mercados de capitais a recusarem-se a anunciar o fim do mundo.

Face à evolução da realidade política, vale a pena atentar nas consequências de tal aposta. O discurso da diabolização tem como principal consequência uma tal redução das expectativas em relação a um governo PS que, se no dia a seguir à tomada de posse de tal governo o sol voltar a nascer, PSD e CDS-PP ver-se-ão obrigados a elogiar a excelência da governação socialista, que faz nascer o sol todos os dias. 

Escreve à sexta-feira

A perda da virgindade e a gestão das expectativas


Por estes dias muito se tem escrito em torno dos perigos do extremismo político no apoio parlamentar  a um governo minoritário.


© Mário Cruz/Lusa

Tal não deve assustar o leitor amigo que guarda em casa, devidamente encadernada com ferros gravados a ouro na lombada, a colecção completa d’“O Independente”, onde Paulo Portas porfiou na demonização da União Europeia, com destaque para a escalpelização das insuficiências do Tratado de Maastricht e dos seus defensores na Lusitânia, recomendando apaixonadamente a não ratificação da “coisa”.

O contraponto entre o cronista de “Antes pelo contrário” e o vice-primeiro-ministro do XIX Governo Constitucional deve tranquilizar todos aqueles que se preocupam com a presença de extremistas anti-União Europeia na base de apoio a um qualquer governo.

Também a continuação de Portugal na NATO parece afligir muitas almas esforçadas. Vale a pena lembrar que os extremistas estão por todo o lado, até na vizinha Espanha. Por lá, o PSOE, estando na oposição, defendeu como lema “OTAN de entrada no”. Já no governo, o extremista Filipe González promoveu um referendo sobre a permanência de Espanha na NATO, referendo em que jogou a sua continuidade como PM e que acabou por ganhar.

Para os cultores dos perigos do extremismo, recomendo o estudo do devir das três condições que a pergunta do referendo incluía para justificar a continuação da Espanha na NATO: não incorporação na estrutura militar integrada; proibição de instalação, armazenagem ou introdução de armas nucleares no território espanhol; e redução progressiva da presença militar dos Estados Unidos em Espanha.

Ainda em benefício das almas preocupadas com os extremismos, valerá a pena assinalar que um governo PS apoiado no parlamento pelo BE e pelo PCP também confere alguma margem negocial acrescida em Bruxelas, a quem se deverá explicar pacientemente que há que contentar várias sensibilidades da base política de apoio.

Num contexto de redefinição de alinhamentos políticos no seio do Conselho Europeu, de renegociação da presença do Reino Unido e de regresso de uma política externa portuguesa, esta é uma “bargaining chip” que deve ser jogada com inteligência.

No contexto português, a perda da virgindade política só está concluída com a ida para o governo. E não deixa de ser curioso detectar no discurso do BE uma maior apetência pela consumação do acto, face à castidade revelada pelas declarações de Jerónimo de Sousa.

Consciente do sucesso mediático e eleitoral da recente liderança, o BE sabe do perigo inerente ao ficar-se pelo apoio parlamentar a um governo PS, perigo que se pode traduzir num menos bom resultado nas próximas eleições legislativas. E terá consciência da decorrência natural de um governo de coligação bem-sucedido: a apresentação de uma coligação pré--eleitoral. Também aqui, a margem de manobra do PCP afigura-se ser muito mais reduzida.

A diabolização de um futuro governo do PS apoiado pelo BE e pelo PCP tem consumido toda a energia do PSD e do CDS-PP, ainda que sem qualquer eco na realidade, com os mercados de capitais a recusarem-se a anunciar o fim do mundo.

Face à evolução da realidade política, vale a pena atentar nas consequências de tal aposta. O discurso da diabolização tem como principal consequência uma tal redução das expectativas em relação a um governo PS que, se no dia a seguir à tomada de posse de tal governo o sol voltar a nascer, PSD e CDS-PP ver-se-ão obrigados a elogiar a excelência da governação socialista, que faz nascer o sol todos os dias. 

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