Xenófobos sopram as velas em Dresden e Merkel sente um arrepio

Xenófobos sopram as velas em Dresden e Merkel sente um arrepio


Enquanto o Pegida celebrava o primeiro aniversário no Leste da Alemanha, o resto do país dava sinais de desconforto com a política de portas abertas para os refugiados.


O Pegida assinalou o primeiro aniversário nas ruas onde nasceu. Dresden, cidade do lado oriental da Alemanha. À volta de 20 mil pessoas mostraram esta segunda-feira que o movimento xenófobo é uma ameaça que Berlim terá de levar em conta no seu esforço de acolhimento dos refugiados. O grupo que se autodenomina Europeus Patrióticos contra a Islamização do Ocidente (Pegida), após um período de declínio, voltou a reunir uma grande multidão em torno de um discurso que exige “deportações massivas imediatas”. Mas as vozes que protestaram contra a política de portas abertas de Angela Merkel não foram as únicas a fazer-se ouvir. Separados por um dispositivo de mais de um milhar de polícias, outras 15 mil pessoas, convocadas pelos movimentos de esquerda, juntaram-se num contra-protesto, confluindo na Praça do Teatro, em frente ao edifício da Ópera Semper.

O movimento anti-imigração e anti-islão surgiu a partir de um grupo no Facebook centrado à volta do seu co-fundador Lutz Bachmann, tendo há um ano algumas centenas de pessoas em Dresden saído à rua para se manifestar contra o que consideravam um processo de evidente “islamização do Ocidente”. No seu apogeu, chegaram a atrair 25 mil pessoas nas suas concentrações semanais em Janeiro. Brandiam cartazes e gritavam em fúria relativamente a uma confusa mescla de questões, fossem as acusações contra a elite política do país e da Europa, fossem assuntos como as políticas de género, mas acima de tudo unia-os a rejeição radical da política de asilo alemã, especialmente no que toca a acolher muçulmanos.

Nos últimos tempos, as manifestações semanais que o grupo convoca todas as segundas-feiras em diferentes cidades do país voltaram a juntar numeros significativos, com Dresden a contar sempre com multidões de 7000 a 9000 pessoas. O movimento reacendeu-se numa altura em que o país começa a enfrentar os primeiras dificuldades de logística no acolhimento de um número de requerentes de asilo que o governo prevê que possa chegar ao milhão até o final do ano.

Bigode à Hitler Depois do sentimento de entusiasmo que parecia ter contagiado os alemães – que se concentravam às centenas em volta das estações de comboio para receberem os refugiados com cartazes a dar-lhes as boas-vindas, alimentação, roupa e brinquedos –, os desafios que o fluxo impôs parece estar a provocar cada vez maiores receios. Com as escolas, os pavilhões desportivos e mesmo instalações militares lotadas depois de serem convertidas em centros de acolhimento, há neste estimativas que apontam para 42 mil refugiados que estão a viver em tendas um pouco por todo o país. O Pegida ressurgiu assim depois de ter esmorecido o interesse à sua volta, tendo contribuído para isso a incessante campanha de insultos racistas de Bachmann na página de Facebook – usando palavras como “lixo” e “gado” para se referir aos refugiados, que levaram inclusivamente o Ministério Público alemão a acusá-lo de incitação ao ódio – e onde chegou a publicar selfies em que exibia um bigode à Hitler.

À manifestação desta segunda-feira juntaram-se representantes do partido xenófobo italiano Liga Norte e de forças análogas britânicas e checas, depois de alguns líderes de extrema-direita europeus, como o holandês Geert Wilders, terem declarado o seu apoio ao Pegida. Exigindo que as autoridades alemãs ponham um fim ao “conto de fadas romântico”, estes “patriotas europeus” podem estar longe de representar a sensibilidade da maioria dos alemães, contudo, não deixam de reflectir um nível de intranquilidade que tem afectado um conjunto cada vez mais vasto da população.
Merkel a cair No ano passado, quando se estava ainda longe de equacionar o súbito crescimento da vaga de refugiados que tem chegado à Europa – número que por estes dias tem rondado os cinco mil por dia –, diferentes sondagens mostravam que entre um terço e metade dos alemães partilhavam alguns dos receios expressos pelo Pegida. E enquanto o executivo de Merkel não se cansa de repetir que o país tem condições para gerir a crise e até beneficiar dela, se em Setembro 57% dos alemães se mostravam confiantes de que seria possível integrar todos os requerentes de asilo, dados deste mês indicam que esse número baixou para 45%, e há já uma maioria (51%) que tem duvidas de que isso seja possível.

A chanceler alemã não mentiu, não tentou dourar a pílula dizendo que seria fácil. Encarou o desafio como uma obrigação moral, o dever de um país rico face aos milhares de pessoas que arriscam a vida para chegar à Europa, fugindo a cenários de conflito no Médio Oriente ou em África, e não escondeu que a vaga de refugiados irá mudar a Alemanha. Aparentemente, a maioria dos alemães não estão dispostos a acolher um novo futuro, construído com base no imperativo de provar que o país venceu o espectro do nacionalismo e do ódio racial que conduziu ao capítulo mais infame da sua História. Isso explica que a até agora intocável Merkel tenha finalmente começado a perder pontos nas sondagens. A taxa de aprovação do governo, de acordo com a sondagem semanal Emnid caiu para 37% face aos 41% de apoio que registava em meados de Setembro. E, de acordo com dados do INSA, outro instituto de sondagens, cerca 33% dos alemães considera que Merkel devia demitir-se.

do ódio à violência A chanceler alemã não se pronunciou sobre a manifestação do Pegida mas outros membros destacados do executivo fizeram-no, com o ministro do Interior, Thomas de Maizière, a afirmar na televisão pública ARD que “já não há qualquer dúvida de que aqueles que organizam os protestos do Pegida são verdadeiros radicais de extrema-direita”. Sendo um dos elementos do executivo que mostrou sinais de maior cepticismo face à política de Merkel face à crise de refugiados, Maizière fez questão de sublinhar o perigo que movimentos como o Pegida representam para a democracia alemã. “Não fazem quaisquer distinções ao classificar de delinquentes os requerentes de asilo, e acusam todos os políticos de alta traição. Isto situa-se fora de qualquer consenso democrático”, frisou.

Já o titular da pasta da Justiça, Heiko Maas, disse que o tipo de ódio promovido pelo movimento xenófobo “se converte depois em violência”, advertindo que “todas as consequências” serão retiradas dos possíveis delitos cometidos nestas manifestações. “Quem marcha atrás de forcas e bigodes de Hitler já não tem desculpa”, disse Maas, referindo-se a protestos recentes em Dresden onde surgiram surgiram forcas com cartazes atados ao nó, dizendo “Reservado para Angela Merkel” e “Reservado para Sigmar Gabriel”, o ministro da Economia e líder do SPD (o Partido Social Democrata alemão, de centro-esquerda, o aliado de Merkel na grande coligação que governa a Alemanha).

Os receios de que o ódio leve ao derramamento de sangue foram reforçados depois de, no sábado, a candidata independente à autarquia de Colónia, Henriette Reker, ter sido esfaqueada por um militante da extrema-direita que confessou ter actuado em prostesto contra a política de asilo face aos refugiados. Reker venceu as eleições com maioria absoluta, tornou-se a primeira mulher a ocupar o cargo e está em situação estável, apesar de continuar hospitalizada com feridas graves na garganta e na traqueia.

Quanto a incidentes durante a manifestação de segunda-feira, registaram-se algumas agressões e feridos de ambos os lados, mas foi um simpatizante do Pegida o único ferido com gravidade. De resto, um operador de camara que estava a trabalhar para a televisão por cabo russa RT foi agredido, alegadamente por elementos da Pegida.

Durante a noite, a ópera onde Wagner estreou algumas das suas principais obras, deixou muito clara a sua rejeição do Pegida, projectando mensagens numa tela colocada ao lado do palco montado pelos membros do Pegida. “Não somos a decoração da xenofobia” e “Não emprestamos o nosso cenário à intolerância”, lia-se nelas. E para deixar os radicais às escuras, ao contrário das outras noites, desligou os focos que iluminam a sua histórica fachada.