Conversámos com o CCO (chief content officer) da Neflix em Lisboa, no centro de operações que está a funcionar há pouco tempo na capital e que serve, sobretudo, como call center para resolver problemas de subscritores de Portugal, Espanha, França, Itália e Brasil (pelo menos estes).
Ted estava a acabar um café que disse ser "o pior que já bebeu". Não gostámos da frase e prometemos um café decente em qualquer sítio, bastava sair do escritório. Ele disse que sim mas no fim da entrevista aconteceram os negócios e café nem vê-lo. Ficaram os esclarecimentos:
Como decidem que séries ou filmes distribuir e produzir? Há um estudo intensivo prémio ou funciona como uma aposta?
Há muito de aposta, apostar em pessoas e produções. Escolher histórias, personagens, mundos que nunca foram mostrados, que podem ser explorados a partir de um ponto de vista diferente e desafiante. E coisas que possam garantir algum futuro, que possam continuamente ser explorados, é mais ou menos por aqui. Também tem muita impotância quem é que conta as histórias. “Orange is the New Black” é um bom exemplo. A nossa primeira produção foi o “House of Cards”, argumentos escritos, estrelas, o melhor realizador possível, veio tudo ter connosco. O Orange era um livro, só isso, e partimos daí para fazer tudo o resto. Nesse caso tivemos que apostar. O que depois é analisável é quanto é que podemos e queremos investir numa determinada produção. E nesse campo já fzemos uso dos números e das previsões que podemos lançar sobre a nossa audiência.
A forma como fazem essa análise é a mesma nos EUA, na Europa e nos outros mercados onde operam?
Sim, vemos como os nossos utilizadores se comportam exactamente da mesma forma. E a verdade é que uma história bem contada resulta em qualquer parte do mundo. O “Beasts of No Nation”, por exemplo, durante o fim de semana foi o filme mais visto no Netflix em todos os países onde estamos. Não acontece nos EUA, não tem actores americanos, é, isso sim, uma história muito boa e muito bem contada. O “Narcos”, em termos de percentagem de quem vê a série, temos quase sempre a mesma em toda a parte. É rodada na Colômbia, tem um realizador brasileiro e actores de todo o mundo mas é um sucesso. As fronteiras não existem na televisão.
Hollywood não tem reagido bem a este vosso sucesso.
O negócio dos media está em mudança há muito tempo. E o que importa mesmo é estarmos conscientes de que as pessoas não querem saber a que horas vai dar determinada coisa ou em que canal, o público mais novo já nem sabe lidar com isso, não quer. O modelo antigo de televisão funcionou durante muitos anos mas entretanto já não funciona. Os consumidores têm as suas rotinas e o que vêem, em termos de media, tem que adaptar-se a isso e não o contrário. Transformar esse comportamento num modelo de negócio é um grande desafio, sobretudo quando é controlado por muito pouca gente. Sempre que há mudanças neste negócio as empresas defendem-se. Quando a televisão apareceu, os estúdios de Hollywood não autorizaram a transmissão de filmes durante quase duas décadas. E já se sabe, quando os consumidores têm mais escolha, o negócio cresce, sempre.
Foi por isso que decidiram produzir conteúdo próprio?
Sempre acreditámos que a box da televisão por cabo seria coisa do passado, com a banda larga cada vez mais larga. Assim sendo, era fácil prever que com isso seria mais fácil e mais acessível fazer serviços de distribuição de conteúdos, já que a internet seria o canal geral a utilizar. O desafio então era distinguirmo-nos de todos os outros e fazer os própios conteúdos era o mais óbvio. Não são os aspectos técnicos, são os programas que fazem a diferença. Estávamos dependentes dos conteúdos de terceiros para construir o nosso público. Quando chegámos aos 25 milhões de assinantes conquistámos uma boa plataforma para investir, decidimos ir em frente e tornarmo-nos exclusivos. Primeiro com o “House of Cards”, depois aconteceu tudo como uma bola de neve.
Modelos de funcionamento como o da Netflix também vêm de como as pessoas consumiam ilegalmente muitas séries e filmes, da pirataria, não?
Claro. Prestámos muita atenção ao que as pessoas estavam a roubar como indicador do que queríamos oferecer. E o curioso é que mercados com altos níveis de pirataria têm sido dos melhores para nós. A melhor maneira de combater a pirataria é dar escolhas a quem as procura online. E porque é um preço competitivo, com muita qualidade, sem publicidade. À medida que fomos construir o nosso negócio não nos preocupámos com a HBO ou com a Amazon. Preocupámo-nos, isso sim, com a pirataria e em fazer um produto pago que fosse melhor que um produto gratuito. E depois notam-se os resultados. Na Austrália, por exemplo, um país que sempre teve muita pirataria, e onde estamos há 7 meses, a pirataria diminuiu cerca de 25%. Com a internet, toda gente conhece tudo. E quem não tem acesso vai roubar. É simples. A Noruega tem a internet mais rápida do mundo e só teve “The Walking Dead” na televisão dois anos depois da estreia original. Como é que eles viram a série? Isso, pirataria.
As regras do mercado comum na Europa, complicam muito o vosso funcionamento?
Um pouco mas não poder por aí que não chegamos seja onde for. É uma questão de negócio. E é possível assegurar a distribuição de conteúdos, tem a ver com adaptação, não sou contra nem a favor da lei. É o que é e temos de trabalhar com isso.
Falava da HBO. Alguma vez teremos séries da HBO na Netflix?
Não boicoto a HBO, não digo que não o faria, mas parece-me que a HBO nunca vai vender-nos os programas deles porque vêem-nos como concorrência, coisa que percebo muito bem. De qualquer maneira, o que nos interessa mais são os conteúdos exclusivos, é com isso que podemos fazer a diferença. E quando alguém decide se quer ou não manter activo o serviço Netflix, então vai fazê-lo de acordo com o que não consegue ter em mais lado nenhum.
E haverá “House of Cards” no serviço em português?
Enquanto houver série ela vai ser transmitida pelo canal que a transmite agora em Portugal, é esse o acordo. Foi a nossa primeira produção e vendemos os direitos de distribuição em muitos países onde na altura ainda não operávamos. A empresa tinha uma dimensão mais pequena e só podíamos correr riscos até determinado ponto, a partir daí era preciso vender.
Integrar no vosso catálogo conteúdos locais também está previsto?
Sim. Quanto a isso não há um formato-modelo para decidirmos o que fazer ou como fazer. Temos equipas que gerem as diferentes regiões, que estão atentos aos canais de televisão, às produtoras e aos festivais de cinema. E é claro que isso vai acontecer em Portugal e em português. Depois a distribuição mundial também acontece, com legendas ou dobragens.