Stan Douglas.  Um artista com um fraquinho pela ditadura

Stan Douglas. Um artista com um fraquinho pela ditadura


“Stan Douglas: Interregnum” explora três obras que se confundem com o tempo do Estado Novo, do PREC e da Guerra Colonial. Para ver até 14 de Fevereiro de 2016 no Museu Berardo.


O título deste artigo tem rasteira. Daí que invoquemos moderação nas apreciações. Com “fraquinho” não queremos dizer entusiasta – ainda que o fosse, a liberdade assim o permite – do regime autoritário que vigorou em Portugal. O que interessa a um artista como Stan Douglas é antes o tempo, a história como precursor de quebras, momentos-chave que ditam novas regras num país ou território que até então as desconhecia. 

“Interessei-me pelo contexto da revolução que aconteceu em Portugal em 1974 porque pensei que seria um bom palco para reencenar o romance de Joseph Conrad”, disse o artista à agência Lusa durante a preview de imprensa. Algo caiu aqui sem recurso a pára-quedas, certo? Expliquemos: é que a obra central desta exposição chama-se “The Secret Agent”, uma adaptação ficcionada do livro de 1907, com o mesmo nome, de Joseph Conrad. A obra, com 52 minutos, foi gravada em Lisboa durante três semanas de Março de 2015 e conta com actores portugueses como Miguel Guilherme, Gonçalo Waddington, Albano Jerónimo, Beatriz Batarda, Marcelo Urgeghe e Carloto Cotta, entre muitos outros.

E a esta instalação cinemática juntam-se duas outras: “Disco Angola” (2012), que reúne oito fotografias em torno da descolonização portuguesa em Angola, bem como o início da guerra civil, em contraponto com o surgimento do disco sound, um estilo que emergia à época na cena underground nova-iorquina; e “Luanda-Kinshasa”, uma videoprojecção em que podemos ver um conjunto de músicos a tocar estilos vários – jazz, funk, electrónica, afrobeat – num estúdio de gravação. “Stan Douglas: Interregnum” é precisamente essa exploração da ficção como forma de contar a realidade. Ou simplesmente não contar. É inaugurada hoje e fica até 14 de Fevereiro de 2016 no Museu Berardo, Centro Cultural de Belém. 

Vamos por partes, que neste caso são três. Tomemos como exemplo a primeira edição do Cascais Jazz, em 1971, que contou com a lenda Miles Davis em palco, tal como um punhado de outros nomes, registando-se entre eles Dewey Redman e Charlie Haden. Este último, ao apresentar “Song for Che”, dedicou-a aos movimentos de libertação de Angola e Moçambique. Nessa altura, a PIDE tentou invadir o palco, parar a contenda revolucionária, coisa que não viria a acontecer por receio. Como de costume, Haden foi detido e só depois entregue à embaixada dos EUA.

Este episódio é parte das descobertas que Douglas fez durante a sua investigação sobre a década de 70 em Portugal, peça essencial para ficcionar os eventos que se sugerem em “Disco Angola” e em “Luanda-Kinshasa”. Sobretudo no que a esta última diz respeito, já que os oito músicos – de diferentes etnias e vestuários – situam a acção no início dos anos 70 no estúdio nova-iorquino The Church, onde Miles Davis gravou de 1954 a 1981. 

“Disco Angola” é a mistura estranha que antes anunciámos. O foco vai para fotografias de clubes profundamente heterogéneos, onde gays e heterossexuais, afro-americanos e ítalo-americanos, todas estas uniões paradoxais, dançavam diversos registos musicais. 

Por seu lado, “The Secret Agent” incorre numa ficcionada tentativa falhada de um atentado na capital portuguesa, por oposição ao romance de 1907, que aborda um ataque terrorista no Observatório de Greenwich, em Londres, não concluído. E diga-se que o filme de Douglas tem estreia mundial no Museu Berardo.

Stan Douglas: Nascido em 1960 em Vancouver, o artista teve a sua primeira exibição a solo em 1981. Desde então tem trabalhado através de instalações que envolvem vídeos ou fotografias. Imagem, sobretudo isso.