© Tiago Petinga/Lusa
Tenho divergências políticas com António Costa. Mas nenhuma delas anula a consideração pessoal, fundada num relacionamento político profícuo num tempo não muito distante. Mas confesso que estou incrédulo perante as suas recentes iniciativas políticas. Lembro que, por via das minhas funções políticas executivas e partidárias, como presidente da Câmara de Cascais ou como presidente da Distrital de Lisboa do PSD (até 2011), negociei com António Costa vários dossiês relevantes para a região de Lisboa.
Resolvemos a questão do empréstimo à Câmara de Lisboa, sendo o PS poder em Lisboa e no país, e o PSD oposição. Acordámos a reforma administrativa de Lisboa, ainda antes da imposição da troika, tendo o PS o poder em Lisboa e o PSD a chefia do governo. Os dois, no fato de autarcas, chegámos a um consenso sobre a presidência da Área Metropolitana de Lisboa, que o PCP queria subtrair ao PS, sendo o apoio do PSD essencial para que Costa fosse o justo e legítimo líder deste importante bloco regional.
Connosco, os compromissos eram selados com apertos de mão, depois de negociações mais ou menos exigentes. Olhos nos olhos. À antiga. Bastava o valor da palavra dada. Nunca precisámos de cartas para nos comprometermos com o que quer que fosse. As últimas semanas mostram-me que algo mudou em António Costa. Não se lhe pedia que desse a mão à PàF; nem se lhe exigia que abdicasse do seu programa. Mantive a esperança de que não abdicasse dos princípios de boa-fé negocial que lhe conhecia.
É que, repito, consumada uma das piores votações de sempre do PS em eleições legislativas, Costa fez um discurso com a sensatez que se impunha. “O PS não contribuirá para maiorias negativas que criem obstáculos.” Na noite das eleições marcou as “linhas vermelhas” e acrescentou que respeitaria a vontade dos portugueses.
Deu ênfase a quatro pontos:
(1) virar de página na austeridade;
(2) defesa do Estado social;
(3) relançar o investimento na ciência, inovação, educação e cultura;
(4) respeito pelos compromissos europeus e internacionais.
Estavam lançadas as pontes para uma convergência das forças políticas euro-atlânticas – que foi, aliás, bem sublinhada na expressão eleitoral dos portugueses.
O António Costa com quem estabeleci acordos que foram cumpridos esteve na sala do Altis nessa noite de domingo, 4 de Outubro. Terça, dia 6, Costa reúne a sua comissão política. E na quarta dia 7, muito antes da primeira reunião com Pedro Passos Coelho, arrancam os trabalhos para a formação de uma maioria negativa com o PCP. De um momento para o outro, com estranheza, esse António Costa que eu conhecia tinha desaparecido.
Terá António Costa sido sequestrado pela esquerda radical que ocupa lugares dentro e fora da bancada do PS? Ou terá o candidato perdido o norte nos seus próprios labirintos políticos? Essa é uma questão que me deixou incrédulo e para a qual não tenho resposta.
Mas sei responder à questão sobre se o governo das esquerdas seria bom ou mau para o país. No plano dos factos, e tomando por verdadeiras e sérias as propostas que BE e PCP inscreveram nos seus programas, um governo das esquerdas só seria bom para quem nos quer fora do euro, da União Europeia e da NATO.
Só seria bom para quem defende as nacionalizações da banca e para quem considera justo taxar contribuintes a 75%. Seria bom para quem quer TGV mais auto-estradas e aeroportos (é o PCP que o diz, não o PS). Só seria um “governo de esquerda”, diz-nos o BE no seu manifesto, aquele que “assume o confronto com as actuais instituições europeias e prepara todas as consequências possíveis”.
Para quem se revê nisto, um governo das esquerdas seria bom. No plano simbólico, um governo das esquerdas seria óptimo para quem está pronto a rasgar 40 anos de história constitucional. Para quem não se rala muito com os votos. Ou para quem, muito diminuído politicamente, está preparado para chegar ao poder pela porta das traseiras.
BE e PCP estão na mesma disputa de votos. E o PS (o dos últimos 40 anos) nada tem a ver com estas duas forças para lá do arco euro-atlântico. Estão unidos no antagonismo ao governo. E nada mais do que isso. É uma coligação negativa. E é por isso que um governo das esquerdas nunca existirá.
Escreve à quarta-feira