Apoucas horas de entrar no Palácio de Belém para a audiência com o Presidente da República, António Costa desbloqueou o que faltava à esquerda para poder afirmar, perante Cavaco Silva, que devia ser ele a ser indigitado primeiro-ministro. Porquê? “Em face dos contactos com as outras forças políticas, o PS tem condições para assegurar a possibilidade de um governo alternativo com suporte maioritário na Assembleia da República que assegure estabilidade para o conjunto da legislatura”.
A frase esclareceu as duas maiores dúvidas políticas dos últimos dias: a esquerda chegaria a acordo? E para toda a legislatura? O acordo que vai ser formalizado nos próximos dias entre PS, PCP e BE é válido para quatro anos, mas isso não quer dizer que os comunistas e bloquistas vão ficar amarrados aos socialistas até 2019. Ao que o i apurou, o entendimento não incluirá nada específico sobre orçamentos futuros e, por agora, consiste apenas no programa do PS (que é para uma legislatura) alterado, incluindo as medidas de política propostas pelos dois partidos com que António Costa negociou. Só se os próximos Orçamentos do PS corresponderem ao espírito do programa que PCP e BE se propõem a aprovar agora, é que o acordo se mantém de pé. Ou seja, um compromisso agora não inclui medidas extras que afrontem princípios como o da recuperação de rendimento dos trabalhadores ou a salvaguarda do Estado Social.
Em troca, o PCP e o BEalinham com um texto programático (como é o do PS) que respeite os compromissos internacionais (sobretudo da União Monetária). Ainda não está totalmente fechado – nem mesmo os moldes do acordo que o PS insiste que fique todo por escrito – tanto que ontem à noite ao i fonte oficial do PCP (que só hoje vai ser ouvido em Belém pelo Presidente da República) dizia que “há um processo em andamento” e “as reuniões vão continuar”.
O desbloqueador TSU Mas ontem Costa mostrava já estar em condições de satisfazer as principais exigências dos partidos à sua esquerda (sendo as únicas certas até aqui as do BE), aproveitando para dar o salto em frente em Belém e apresentar a Cavaco Silva o acordo como praticamente consumado. De manhã houve uma reunião técnica – onde o coordenador do programa económico do PS, Mário Centeno, não pôde estar presente – com o Bloco de Esquerda (que tinha sido adiada no dia anterior a pedido do PS, que precisava de tempo para apresentar uma proposta mais fechada) onde os socialistas acederam em deixar cair a redução das contribuições dos trabalhadores para a segurança social. OPStambém acedeu na reposição dos salários da função pública já, em vez de processar de forma gradual até 2017, como tinha previsto no seu programa eleitoral.
As três grandes condições do Bloco nesta negociação prendiam-se com a recuperação de rendimentos, a não descapitalização da Segurança Social pela redução da TSU dos trabalhadores e ainda com a inexistência de alguma medida que facilitasse despedimentos (o procedimento conciliatório que o PS previa no seu programa inicial). Todos foram satisfeitos pelo PS, pelo que Costa avançou para Belém às 16 horas com o compromisso político no bolso.
A Cavaco Silva pediu para “não prolongar no tempo esta situação de indefinição e agravar situações de incerteza através de soluções que antecipadamente sabemos que não têm viabilidade para terem apoio parlamentar maioritário”. O líder socialista estava a referir-se à indigitação de Passos Coelho como primeiro-ministro.
PàF pede indigitação Meia hora antes, na mesma sala, o líder da coligação Portugal à Frente (PSD e CDS) tinha dito na mesma sala que devia ser ele o nomeado por Cavaco Silva, já que venceu as eleições. E, à saída, disse ter transmitido ao ao Presidente “a confiança que este governo que sai naturalmente destas eleições possa ser presente ao parlamento de modo a que todos possam assumir as suas responsabilidades”.
PCP e BE já anunciaram a intenção de apresentarem uma moção de rejeição de um programa do governo do PSD e CDS. Ontem, também em Belém, a porta-voz do BE reafirmou essa intenção caso Cavaco Silva opte por indigitar mesmo Passos Coelho. Mas mesmo perante este cenário os líderes do PSD e do CDS mantêm que a indigitação pertence ao partido mais votado nas eleições. Paulo Portas atirou até a António Costa, dizendo ser “absolutamente extraordinário ver um líder político à procura da sua sobrevivência considerar o voto do povo um detalhe e considerar o parlamento de Portugal uma formalidade”.
Antes, Passos já tinha recuperado outras experiências governativas minoritárias em Portugal, para lembrar um detalhe: “Curiosamente aconteceu mais do que uma vez com governos do PS e com a viabilização parlamentar quer do PSD, quer do CDS”.
Apesar de todo o desacerto político, Passos e Costa concordaram num ponto: a urgência em ter o governo formado. E com o mesmíssimo argumento: dar confiança aos investidores nacionais e internacionais e aos parceiros europeus. Mas a intenção ia em sentido oposto, com cada um a reclamar a legitimidade para formar governo já.
É com estes dados – PàF sem maioria e PS com maioria mas em segundo lugar nas eleições –– que o chefe de Estado vai ter de decidir, Cavaco Silva completa hoje a lista de audições obrigatórias para a formação do governo (ontem ficaram a faltar PCP, Verdes e PAN). O passo que se seguirá é uma comunicação ao país sobre a decisão, o que pode acontecer ainda hoje. Entretanto, o diálogo político à esquerda prossegue, bem como a validação do acordo que sair pelos órgãos dos respectivos partidos. Pelo menos no PS esse ponto é obrigatório e ontem António Costa convocou já a Comissão Política Nacional do partido, que há duas semanas o mandatou para iniciar esta ronda de negociações, para apresentar as conclusões a que chegou. Só a aproximação ao BE e ao PCP dos últimos dias já tinha provocado um intenso debate no partido e também baixas na direcção socialista, com a saída de Sérgio Sousa Pinto que considerou “suicidário” um eventual acordo com a esquerda.