Um dos lesados de papel comercial do BES, esta terça-feira chamado a prestar declarações no DIAP do Porto no âmbito de “acções” desenvolvidas por aquele grupo, foi constituído arguido por alegada prática do crime de desobediência, informou o advogado.
Em declarações aos jornalistas no final da audição que decorreu na 9.ª secção do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do Porto, o advogado Cláudio Carvalho afirmou estar “em causa o crime de desobediência” relacionado “com acções” da Associação dos Indignados e Enganados do Papel Comercial do BES, tendo o arguido – Rui Alves, que participou em todas as manifestações de protesto promovidas junto a agências do Novo Banco – ficado sujeito à medida de coação mínima de termo de identidade e residência.
Segundo explicou, Rui Alves foi notificado para prestar declarações na qualidade de denunciado e optou por, “no exercício de um direito que a lei lhe assiste”, não prestar declarações “sobre os factos que lhe eram imputados”.
“A partir deste momento vai aguardar serenamente o decurso do inquérito e todos os seus actos e, oportunamente, o Ministério Público comunicará aquilo que são as suas conclusões a respeito destes factos e da sua autoria”, afirmou Cláudio Carvalho, remetendo mais esclarecimentos para um comunicado a divulgar “oportunamente” pelo advogado de 467 lesados, Nuno da Silva Vieira.
Rui Alves é um de vários lesados de papel comercial do Grupo Espírito Santo (GES), vendido através dos balcões do Banco Espírito Santo (BES), que têm vindo a ser notificados pelas autoridades para prestarem declarações sobre alegadas "agressões, tumultos e insurreições" de que poderão vir a ser acusados.
Num comunicado divulgado na segunda-feira, Nuno da Silva Vieira revelou que se está a assistir "à notificação de lesados de papel comercial do BES para prestarem declarações na qualidade de denunciados relativamente a vários crimes" e que, "de acordo com os primeiros interrogatórios, poderão vir a ser acusados de agressões, tumultos e insurreições".
Para o advogado, esta acção das autoridades é uma "forma de intimidação", já que viola "um direito constitucional à manifestação", sublinhando que, "de acordo com a mais assente jurisprudência sobre o assunto, o direito à manifestação pode ser feito através de protestos na via pública, com voz, abrangendo gestos, emblemas insígnias, bandeiras, cantos, gritos, aclamações, entre outras formas, sem que nunca se possa excluir o silêncio".
Ao início da tarde de hoje, à entrada para o DIAP, Rui Alves confessava-se “surpreendido” com a notificação, mas “de consciência tranquila”: “Não sei quem me está a denunciar. Não sei o que é que fiz e estou à espera de saber o porquê desta denúncia e quem foi que me denunciou”, disse.
Convicto que a denúncia estivesse relacionada com a participação nas manifestações organizadas pelos lesados do BES por todo o país – “Estive nas manifestações porque tenho aqui [no Novo Banco, antigo BES] as poupanças de uma vida", justificou – Rui Alves assegurou, contudo, que a sua actuação naquelas iniciativas sempre se pautou pela “serenidade”.
“Estou surpreendido porque sempre levei com muita serenidade tudo o que tenho feito. Tenho sempre sido um braço direito de todos os meus colegas e procuro sempre ser uma pessoa respeitosa”, afirmou, assegurando nunca ter sido identificado pela polícia nas várias manifestações em que participou.
“Antes pelo contrário, a polícia e eu sempre nos falámos com muito respeito. Dei-me sempre bem com a polícia, que não tem nada contra mim”, reiterou, desabafando, emocionado: “É muito triste”.
A chamada de Rui Alves ao DIAP levou ao local cerca de dezena e meia de outros lesados do BES que lhe quiseram manifestar o seu apoio, com bandeiras e algumas palavras de ordem, o que motivou a presença de vários agentes da PSP que identificaram os participantes alegando tratar-se de uma manifestação não autorizada.
Revoltados, os lesados acusaram as autoridades de “fascismo puro” e afirmaram-se decididos a continuar a lutar pelo reembolso do valor investido em papel comercial do BES.
“É uma vergonha, o país que temos. Roubaram-nos o dinheiro e agora levam-nos presos”, afirmou um dos lesados, acusando os governantes de, “seja à esquerda ou à direita” serem “uma cambada de mentirosos”, mas assegurando: “Seja este Governo ou o que vier, vai ter-nos sempre nesta posição de luta pelas nossas poupanças”.
Lusa