Vai ser preciso vencer mais do que a repulsa dos consumidores para grilos, larvas ou gafanhotos passarem a fazer parte dos cardápios do Ocidente. A Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA) alertou este mês que faltam dados sobre o potencial dos insectos na alimentação. A posição é menos entusiasta que a da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), que em 2013 foi peremptória no apelo: com a população do planeta a caminhar para os nove mil milhões de habitantes em 2050, os insectos terão de ser encarados como fonte de proteína em todo o mundo e não apenas na Ásia, África e América Latina.
{relacionados}
A opinião da EFSA, divulgada no dia 8 de Outubro, foi pedida pela Comissão Europeia na sequência de uma resolução adoptada em 2011 pelo Parlamento Europeu. Na altura, deputados manifestaram preocupação com o facto de, no futuro, não haver proteína suficiente para as necessidades da população europeia a preços comportáveis: actualmente, os países europeus têm de importar 80% da proteína que usam nas rações para animais a países como Estados Unidos, Argentina e Brasil. Com a população mundial a aumentar, mesmo que a do Velho Continente caia, a dependência tornaria os países demasiado vulneráveis às leis da oferta e da procura.
Durante muitos anos vistos como delicatessen exótica, os insectos têm vindo a tornar-se cada vez mais apelativos (pelo menos no papel) como solução do quebra-cabeças da segurança alimentar por causa do seu elevado rendimento.
Foi este o grande argumento da FAO quando há dois anos abriu esta caixa de Pandora. Como são animais de sangue frio, por cada dois quilos de comida dada a um insecto obtém-se um quilo de carne, enquanto os bovinos precisam de quatro vezes mais alimento para produzir a mesma quantidade. Existirão ainda vantagens ambientais, o que os torna ingredientes perfeitos para o futuro da humanidade. Os porcos, por exemplo, produzem dez a 100 vezes mais gases com efeito de estufa por cada quilo que os insectos. Estes podem ainda alimentar-se de resíduos orgânicos como restos de comida e dejectos humanos – portanto, viver do nosso lixo – e precisam de muito menos água.
E agora os riscos Se a última brochura da FAO sobre o tema considera que os insectos são fonte de nutrientes e proteínas de alta qualidade e, além disso, têm um baixíssimo risco de transmitir doenças, a EFSA é menos assertiva. A agência declara não existirem estatísticas precisas sobre o consumo de insectos na Europa, já que na maioria dos países não são considerados alimentos e em muitos são apenas oferecidos como snack ou na cozinha de autor.
Seguem-se 60 páginas de dúvidas: os peritos começam por questionar as vantagens nutritivas do consumo por humanos, considerando que poderão existir propriedades nutricionais negativas – comidos em quantidade, por exemplo, poderão ter alguma componente que dificulte a absorção de nutrientes ou interfira com a digestão.
Quanto à inclusão em rações, a agência diz que os dados apontam para um conteúdo proteico idêntico às fórmulas à base de soja ou pescado e que os estudos sugerem que poderão substituir parcialmente estas fontes. Há, contudo, riscos a ter em conta. Segundo a EFSA, a literatura científica sobre o aparecimento de bactérias em insectos de criação é muito escassa e patogéneos como a salmonela, a Campylobacter ou a E. coli podem manifestar-se mesmo em animais não processados, dependendo do local de criação.
Os peritos consideram que o risco de replicação destas bactérias é inferior nos insectos, já que parecem ter menos actividade intestinal, e pode ser mitigado com regras de processamento, mas tudo isto requer estudo. Além disso, avisam que no que diz respeito a vírus e parasitas, faltam também dados, até porque a maioria da literatura existente diz respeito a insectos “selvagens” ingeridos nos países asiáticos.
Quanto ao risco de os insectos causarem a doença das vacas loucas ou outras semelhantes, à partida ele é menor, uma vez que os insectos – ao contrário das vacas e outros mamíferos – não desenvolvem as proteínas na origem da degeneração do sistema nervoso (priões). Ainda assim, a EFSA considera que falta informação sobre até que ponto podem ser agentes transmissores se no seu processamento forem usados substratos de origem animal.
Há ainda a hipótese de acumularem químicos potencialmente tóxicos, o que vai depender do estádio de desenvolvimento quando são ingeridos. E porque nada ficou de fora, a EFSA alerta ainda para o potencial alergénico, avisando que os insectos podem causar alergias e até choques anafilácticos e que isso tem de ser explorado antes de estes produtos serem colocados à venda.
Mais estudos Em suma, muita tinta vai ter de correr, quem sabe para evitar que a opinião pública se extremize como aconteceu com os transgénicos.
Por agora, apenas Holanda e Bélgica avançaram com legislação própria – nos restantes países, aliás como em Portugal, há um vazio legal em torno do consumo de insectos. Em 2013, a Comissão Europeia já tinha atribuído três milhões de euros para o estudo do potencial dos insectos como fonte alternativa de proteína nas rações e o futuro deverá passar por mais verbas para novos estudos, como o projecto PROteINSECT, que dura até 2016 e envolve 12 parceiros, com participantes do Reino Unido, Bélgica, Áustria, Suíça, China, Gana e Mali.
Actualmente, a legislação europeia admite o uso de algumas partes de invertebrados em ração, mas não permite, por exemplo, a criação de insectos em lixo orgânico, algo que os investigadores concluíram que poderia reduzir os resíduos em 60% num período de dez dias se se usasse este lixo como criadouro de larvas de mosca, um dos bichos com potencial proteico. Neste momento, a equipa financiada por verbas europeias está a tentar perceber se, além da segurança, o paladar está garantido. O PROteINSECT tem ensaios a decorrer com porcos, galinhas e peixe para perceber se o sabor muda nos animais alimentados com diferentes doses de proteína de insecto.