© Francisco Leong/AFP
O carro ficava estacionado longe porque não havia parques ou metro, e o estádio do Glorioso levava muitas dezenas de milhares de pessoas. Depois era pôr o cachecol e andar, com a massa ondulante de pessoas que rumavam à Catedral, ouvindo-se os comentários e previsões, falando com este ou aquele que nunca se tinha visto, e o meu pai e os amigos, de cores contrárias mas sempre amigos, elogiando ou desdenhando dos jogadores e dos treinadores, com respeito e sentido de humor, nunca ofensivo. Eu ficava ao colo do Dr. Pita Groz Dias, sportinguista ferrenho. Ao nosso lado, o Dr. Maia Mendonça, portista, ria-se daquelas guerras.
Chegava-se, procurava-se o sector, entrava-se e depois, subindo as escadinhas, abria-se o panorama fascinante. Chegar cedo era essencial para viver tudo e comentar tudo. Era a altura em que se podia abrir a boca e despejar o que fosse, sem que ninguém censurasse – mais, até concordavam. As bancadas eram de betão e magoavam o rabo, e ainda se apanhava com os pés dos espectadores da fila de cima. Quem se importava?
Todos faziam as suas apreciações, os “ohs!” e os “golos!” e outras coisas que não posso escrever aqui sucediam-se.
“Foi vaca!” – dizíamos quando os outros marcavam. Ou então imputávamos os erros ao árbitro. Exaltávamos o Glorioso e ficávamos contentes com as derrotas dos lagartos (mas também, entre nós, dizíamos ser lampiões… mas só entre nós). O Porto “não existia” na altura – depois viu-se como foi…
No final saímos, alegres ou tristes, mas eu sempre consolado porque mesmo perdendo tinha estado com o meu pai e dado um passaporte para a adultícia, mesmo que por escasso tempo. Depois era voltar, alegre ou triste, mas com uma sensação de conforto.
Não havia debates televisivos sobre a arbitragem nem corrupção, “apitos” de qualquer cor ou escândalos. Os jogadores trocavam as camisolas, mas raramente trocavam de camisola, e a mística era enorme.
Joga-se no domingo mais um Benfica-Sporting. Quem ganhará? Ponho isto assim, como escrevinhador, mas cá dentro tenho esperança, convicção, desejo, fé… O futebol move massas e ainda bem. É um grande desporto, e quem gosta mesmo de ver jogar não pode deixar que se confunda este espantoso jogo com os casos dos bastidores. Futebol são jogadas, passes, assistências, defesas, remates. A emoção, as desilusões, as glórias, o contentamento e o sofrimento. E os grandes golos, claro, apoteose de tudo o que se está a ver.
Noutra vertente, praticar futebol faz bem. O nosso corpo é formado por ossos, músculos e articulações, e precisa de ser acarinhado e estimulado: o desporto, nomeadamente o futebol, representa uma excelente forma de promover o crescimento harmonioso, desenvolvendo a força, a resistência e a elasticidade corporal.
Por outro lado, o corpo também inclui um cérebro, e o futebol, representando uma actividade de lazer e lúdica, contribui para o equilíbrio mental e psicológico. Acresce ainda que a prática regular de futebol tem sido associada a um menor risco de comportamentos indesejáveis e anti-sociais, bem como à diminuição do consumo de álcool, tabaco e droga. Os hooligans e algumas claques não praticam futebol – nem gostam dele.
A prática de futebol prepara também para uma maior aceitação da diferença; ideais altruístas de construir algo em comum; saber qual o momento de intervir; ler a situação a cada momento pensando em si e na equipa; decidir entre ser herói e dar os louros a outro; ter um feedback imediato da acção e da decisão; saber digerir as derrotas sem agressividade ou desânimo; gerir a agressividade sem violência; e ter uma competitividade sadia e estimulante, com respeito pelas regras do jogo e pelo adversário.
Para alcançar estes objectivos é necessária a figura do treinador, que deve ser antes de mais um pedagogo e psicólogo, aceite pelos jovens, tolerante na firmeza e compreensivo na autoridade.
Uma última palavra para os jovens que não gostam de futebol. Estão no seu direito e não devem ser achincalhados ou humilhados por isso. O futebol é um desporto de massas, mas nada pior que as massas obrigarem os indivíduos a ir com a carneirada. Para aqueles que não gostam de futebol: mantenham-se nas vossas convicções. Para os que os gozam: deixem de o fazer e empenhem mas é as vossas energias no apoio ao vosso clube e na prática do desporto-rei.
Pediatra
Escreve à terça-feira