André Silva. “Não tenho medo de que não me levem a sério”

André Silva. “Não tenho medo de que não me levem a sério”


André Silva  tem 39 anos e chega ao parlamento através do PAN. Garante que quem vive numa utopia são os diferentes governos e não ele.


A noite eleitoral do passado dia 4 de Outubro trouxe uma surpresa: a eleição de André Silva peloPAN.Há 16 anos (desde a estreia do Bloco) que nenhum novo movimento político entrava no Hemiciclo. Na sede do partido, o i falou com o novo deputado, que tem sido muito solicitado para entrevistas. André Silva acredita que as causas que defende vão estar em“cima da mesa num curto espaço de tempo”.

Ficou decidido que o seu lugar seria na terceira fila ao centro, entre o PSD e o PS, mas o André não foi ouvido. Como explica isso?
Eu não escolhi o lugar, foi com surpresa que soubemos disso através da comunicação social. Todo este processo, e até no seguimento destas duas semanas em que se falou muito em “em consensos e diálogos”, podia ter começado de outra forma. O que se exige é que haja cortesia e transparência neste processo.
Mas ficar “ao centro” parece-lhe o mais indicado, já que oPAN não se revê nem à esquerda nem à direita?
O PAN não se revê nem ao centro, nem à esquerda nem à direita. Mas se ficarmos nesse lugar, ficaremos “ao meio”, e não ao centro. Somos 1 deputado em 230, e o lugar que mais se liga à nossa “não categorização” seria o do meio.

Um governo liderado por António Costa seria o ideal para dialogar com o seu partido?
Não. Nós não nos queremos colar a qualquer ideologia por uma razão simples: as nossas causas são transversais a qualquer partido político. Aquilo que queremos é que exista um diálogo com o PS e com as restantes forças políticas, não serviremos para dividir. Mas não está em cima da mesa oPAN fazer parte de qualquer coligação governativa.

Mas essa postura de diálogo pode ser “ameaçada” no parlamento, terá de bater o pé alguma vez….
Não serviremos para dividir nem queremos ser o foco, mas isso não significa que vamos deixar de defender as nossas causas. Mesmo sendo o PAN “um grupo de um”, estamos convencidos de que conseguirei fazer passar algumas medidas em consenso com parte ou a totalidade dos partidos.

Dessas propostas mais urgentes, quais considera que devem ser debatidas já?
É preciso dar seguimento à iniciativa cidadã para acabar com os canis de abate. Ao nível ambiental, desmantelar o plano nacional de barragens que tem um elevado impacto ambiental e, na agricultura, é necessário travar a forma como produzimos alimento, que é insustentável. O nosso território está desertificado, 80% da água em Portugal é gasta em agricultura e pecuária intensiva, das indústrias que mais contribuem para a emissão de gases do efeito estufa.

O PAN é também o partido que quer abolir as touradas. Acredita mesmo que isso é possível num país com essa forte tradição?
É possível, percebendo e acompanhado a evolução civilizacional e ética que o país está a pedir. Aquilo que dizemos é que todos os portugueses têm o direito cultural de se divertirem, agora não à custa de sofrimento e morte de animais sensíveis e cientes.

Tendo até uma estação de televisão pública a emitir espectáculos será quase impossível…
Claro, mas não é uma enorme tradição. É uma minoria. A tauromaquia transformou-se numa indústria que vive à custa dos contribuintes. Eu tenho dado o exemplo deVila Franca de Xira, onde se gasta anualmente meio milhão de euros nesta actividade, que poderia servir para abrir um gabinete de apoio à violência doméstica, que não existe. Temos de repensar onde queremos alocar e distribuir estes fundos, porque o dinheiro, esse, está lá.

Já percebemos que a causa animal é uma das fortes bandeiras. Em relação a medidas concretas para as pessoas, quais são as essenciais?
Discutir a redução do horário de trabalho. É preciso conseguir reduzi-lo mantendo as pessoas motivadas e com o mesmo salário, como acontece na Suécia, por exemplo, onde se trabalha 30 horas semanais. E claro, aumentar o período de licença de parentalidade partilhada. É fundamental trabalhar os desequilíbrios profundos que existem nas famílias portuguesas.

Além disso, encontramos a renegociação da dívida, uma medida que o Bloco admite deixar cair para possíveis coligações…
É uma medida que o PAN não faz sozinho. Juntamente com os vários actores sociais e com os restantes partidos, antes de se tomar qualquer decisão, é preciso que exista uma auditoria independente. E independentemente de qualquer posição futura doPAN, é preciso primeiro saber que tipo de dívida vamos encontrar.

São muitas páginas de programa eleitoral, acha que é idealista?
É extenso porque é sério. E enquadra-se no momento actual. Queremos dar à sociedade a possibilidade de pensar e reflectir em temas que muitas das vezes não são pensados. E neste momento a classe política portuguesa e mundial vivem numa utopia, uma impossibilidade física.

Portanto não é o PANque é utópico, mas sim os outros partidos e governos?
Sim, são eles. Estamos a viver acima das possibilidades do planeta. Ou nós arrepiamos caminho seriamente e a classe política ganha esta consciência que a sociedade portuguesa já está a ganhar, ou então as coisas vão ser muito mais complicadas. Nós não somos utópicos, nós é que estamos a combater uma utopia.

Se o PAN não é utópico, tem, pelo menos, causado surpresa por algumas das propostas, como a dos copos menstruais. Não acha que poderão sair prejudicados pelo “efeito novidade?”
Não. Esta medida não é nova no mundo, no Brasil é utilizadíssima. Mas aqui é completamente desconhecido. E esta é uma alternativa mais barata e sustentável, mas não é uma medida estruturante. No entanto, temos tido feedbacks muito positivos, e as solicitações junto das farmácias tem sido enorme. Não nos está a prejudicar…

Mas há quem ache ridículo… Não tem medo que não o levem a sério?
Não tenho receio nenhum de que não me levem a sério. Esta medida ajudou a despertar a curiosidade mas não defendemos só isso. É bom, portanto, que o façam, porque os partidos sabem a posição do PAN e há quem leve tão a sério que já colocaram um deputado eleito no parlamento. Nós sabemos que somos utópicos mas “com os pés bem assentes na terra”, e esperamos que os portugueses possam acordar e deixem de estar anestesiados nesta modorra para que a classe política nos tem empurrado.

Para fazerem parte da “nova forma de fazer política” proposta pelo PAN. O que é que isso significa?
É estar junto das pessoas, chamá-las e falar com elas, demonstrando que estamos aqui, como cidadãos, para servir as nossas causas e não outros interesses.

Então o voto do PANnão foi de protesto?
Não, não, jamais! Foi um voto de convicção, de esperança e de sorriso na cara para que alguma coisa mude. Os portugueses querem novos rostos e novas vozes. 

E o André é uma dessas “novas vozes”. Como é que se preparou para ser deputado?
A ser genuíno. A preparação faz-se sabendo quais são as medidas e para onde quero ir.E sei muito bem para onde quero, e para onde não quero ir…

Para onde é que não quer ir?
Não quero ir para esta política cinzenta que nos tem arrastado. Nem para este situacionismo em que quase todos falam da mesma coisa.

Mas vai ter de entrar no jogo político a sério…
E entro!

Essa causa, ligadas à natureza e aos animais, quando é que surgiu?
Pelo meu percurso de vida. Mas sobretudo das férias de Verão que passava em Tondela em casa dos meus avós até aos 14 anos, onde tive contacto, nos anos 70 e 80, com a vida em comunidade e no campo, mas também com a actividade pecuária, onde acabei por participar. Depois em Coimbra, onde estudei e tirei o curso de Engenharia Civil, onde fiz parte da linha SOS-Estudante, que me ajudou na minha formação como homem. E depois ao longo dos anos, também graças à minha veia libertária, entre a vida do campo dos meus avós, a da cidade em Lisboa e o trabalho no Alentejo, isto acabou por se formar em mim.

Nesse período em Tondela, nunca teve de matar nenhum animal? 
Não.Vi a minha avó matar coelhos, o que me causava impressão. Os meus avós também tinham aviários, e estive duas vezes num matadouro com 11 anos. E vi a intensidade da violência que existia. 

Esse foi o ponto de partida?
Sim, sim. Esse episódio ajudou, como outros.

E porquê Engenharia Civil?
Sempre quis ser arqueólogo ou historiador. Só que fui atrás deste curso que não colava muito comigo, mas percebi que tinha algo de que eu gostava: a reabilitação do património, de onde tenho um mestrado. O que permitiu envolver-me naquilo que é a minha paixão, a história de arte. 

Não tem portanto problemas em sujar as mãos…
Não!Nenhum! Mas sou um engenheiro civil “alérgico ao betão”, sou uma ave rara na minha profissão, eu gosto de argamassas de cal e de areia.Temos de recuperar e não de construir, estamos cheios de cidades, não precisamos de mais…

E em 2012 entra para o PAN. Foi aí que se tornou vegan?
Sou vegetariano estrito há quatro anos.Vi uma palestra do activista americano Gary Yourofsky sobre a forma como produzimos alimentos para consumir que me mudou completamente a vida.Disse para mim próprio: “eu não quero fazer mais parte disto”.

E se no parlamento não houver nada vegetariano?
Como acompanhamentos. Não há problema nenhum. Ao longo destes últimos anos andei muito pelo interior doAlentejo em trabalho. Quando sei que vou ficar numa certa região algum tempo, falo com a cozinheira. Fui sempre recebido com grandes repastos!

Ainda faz mergulho?
Cada vez menos… Fazia muito nosAçores, onde estagiei entre 2005 e 2006. Com 2 mil metros debaixo dos pés de fundo azul do mar [desenha as ilhas açorianas num papel] único no mundo.

Convidava algum partido?
Todos.

Para os afogar?
Não! [risos] Para verem as maravilhas da natureza e os ecossistemas que estão em risco ambiental.

Também pratica biodanza. Vai ter de parar?
Espero que não. Espero continuar a ter esse espaço que ajuda a relaxar e a conhecer a nossa identidade. Talvez convide algum deputado, fazia-lhe bem.

E o seu cão, o Nilo, não gostava de o levar para o parlamento?
Não, acho que ele ia ser infeliz, ele gosta muito de se divertir. Quero ver se lhe arranjo uma companhia, para ele não estar tanto tempo sozinho.