“No Médio Oriente pensa-se que a guerra é natural e inevitável.”
Yuval Harari, professor da Universidade de Jerusalém
Temos estado a assistir a uma espiral de acontecimentos nos dois lados do Mediterrâneo com consequências impossíveis de imaginar até aos anos 2011 e 2012. Os mais avisados e conhecedores da história e da geografia foram avisando que o que aconteceu em 2011 em países como a Líbia, a Síria e o Iraque (já para não se falar de outros países) iria ter resultados catastróficos. Muito do que se tem escrito acerca do caos e das catástrofes por lá instaladas tem repercussão cada vez maior na estabilidade social e militar europeia. O crescendo da diáspora migratória de milhares de refugiados em trânsito para a Europa (mas em maior número para países como a Jordânia e a Turquia) tem colocado a questão: o jihadistão está a chegar à Europa? Radicais europeus, muitos deles reconvertidos em cristãos puros à pressa, como são alguns governantes de países do leste europeu, têm aqui e acolá agitado essa bandeira: Europa para os cristãos! Não aos muçulmanos! Jihadismo não!
Julgo que, para além de outros argumentos, é preciso que a Europa reconheça que a sua política externa de vizinhança em coligação com a NATO foi um desastre na gestão da crise da Primavera Árabe, sobretudo em países como o Iraque, a Síria e a Líbia. Tal deve levar a que faça uma melhor gestão das suas relações com o Irão e com Israel. Os israelitas persistem dizendo que o problema do Médio Oriente não são propriamente os palestinianos, mas antes o Irão. Há quem ironicamente sustente que Israel é também (e para além disso) um produto da intolerância árabe. Olhar para o Médio Oriente e para o chamado território da eventual exportação do jihadistão para a Europa implica também perceber que o choque é grande, não só entre civilizações, mas sobretudo entre religiões, neste território – vide o que se passa quanto à perseguição e à mortandade em massa e ao extermínio de várias minorias, religiosas e não só. O Magrebe e o Médio Oriente têm sido e são um santuário de mortes e de destruição religiosa, não só de cristãos, mas também de não cristãos, como são os casos dos curdos, berberes, núbios, coptas, assírios, yazidis, xiitas da península Árabe, cristãos ortodoxos da Cisjordânia, ateus e agnósticos de vários países. Esta espécie de “orientalismo”, como lhe chamou Edward Said (palestiniano), é algo que já devia ter sido travado há muito tempo.
Fazer uma abordagem de combate ao jihadistão não implica só estratégia e decisões militares e comunicados diplomáticos. Implica, por exemplo:
• Pacificar e reconstruir a Líbia como estado, pondo fim à guerra por procuração. Porque sem acabar com a pulverização da ingerência externa, por parte de vários países, dificilmente se expulsará o EI e os demais radicais do território líbio;
• Deverão ser criadas as condições para se iniciar a pacificação deste território retalhado por rivalidades e conflitos, qual “Somália do Mediterrâneo”, às portas da Europa e a poucas horas de barco e de avião de muitos países e cidades europeias, incluindo Portugal, Lisboa e Faro. Nunca esquecendo que o islão político tem vários graus de perigosidade. E que tem, na sua maioria, gente moderada e “normal”, como acontece com a generalidade dos católicos. Atribuir a todos os islamitas a reputação de perigosos radicais subversivos é um manifesto exagero e um caminho errado. Até porque, sejam sunitas ou xiitas (os dois grandes grupos islamitas), ambos têm dado em vários países bons exemplos de aceitarem e respeitarem instituições políticas e regras democráticas sólidas e estáveis. Apesar de estudiosos reputados como Yuval Harari afirmarem “no Médio Oriente pensa-se que a guerra é natural e inevitável”, é urgente que tal fatalidade deva ser ultrapassada.
A Europa, se não quiser ter um jihadistão no seu seio, tem de mudar muita coisa em relação ao diálogo com a bacia do Mediterrâneo. Politicamente. Militarmente. Economicamente. Socialmente. Culturalmente.
Escreve à segunda-feira