Sócrates “libertado”, defesa prestes a aceder ao processo

Sócrates “libertado”, defesa prestes a aceder ao processo


Não chegou a um ano, mas quase. José Sócrates esteve privado de liberdade durante perto de onze meses. A defesa prepara-se para ver o que tem o Ministério Público contra o ex-primeiro-ministro 


328 dias. Qualquer coisa como dez meses, 24 dias, 19 horas e alguns minutos. Foi o tempo que José Sócrates esteve privado de liberdade, desde que foi detido ao chegar a Lisboa, à saída de um voo vindo de Paris. Isso mudou ontem, quando o juiz de instrução Carlos Alexandre assinou o despacho que restituiu o socialista à liberdade (ainda limitada) de movimentos. A defesa ganhou também acesso ao processo, com uma cópia dos autos a ser-lhe entregue já na próxima segunda-feira de manhã.

José Sócrates não pode, ainda assim, sair do país sem autorização de Carlos Alexandre. E continua impedido de contactar com os outros oito arguidos do processo. Mas a lista de nomes é maior: “Administradores, gerentes ou outros colaboradores de sociedades na esfera jurídica de Carlos Santos Silva, do Grupo Vale de Lobo, Lena ou Caixa Geral de Depósitos” são contactos fora da agenda do ex-primeiro-ministro, clarificou ontem a juiz presidente do Tribunal da Comarca de Lisboa, Amélia Correia de Andrade, em comunicado (o segundo divulgado por aquela instância, durante todo o processo). O amigo e empresário de Sócrates viu a sua medida de coacção ser-lhe igualmente alterada, ficando ambos sujeitos a Termo de Identidade e Residência. São suspeitos da prática dos crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção. Santos Silva, acredita o MP, seria o “testa-de-ferro”, o homem de confiança a quem Sócrates atribuira a responsabilidade de guardar os alegados milhões de euros recebidos indevidamente como contrapartida de vantagens garantidas pelo ex-primeiro-ministro no seu mandato. 

A “caixa de pandora” Em cinco parágrafos, o tribunal de Lisboa fundamenta a revisão das medidas e sublinha que “o juiz de instrução procedeu à alteração das medidas de coacção nos exactos termos requeridos pelo Ministério Público (MP)”. Antes, já a Procuradoria-Geral da República tinha destacado o mesmo dado, levando o advogado João Araújo a acusar o MP de “mentir” e tentar “salvar a face” pela “trepa” judicial que terá levado.

Mas as atenções da defesa de José Sócrates estão agora concentradas na próxima segunda-feira. Ontem, Araújo e Delille chegaram por volta das 15h30 ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) para ter acesso aos autos da “Operação Marquês” e olhar, pela primeira vez, para os indícios espelhados nas mais de 20 mil páginas a que a investigação deu origem.

Chegaram sem pressa. Entraram em silêncio no número 60 da Rua Alexandre Herculano, em Lisboa, e, passados trinta minutos, à saída, João Araújo explicava aos jornalistas que o processo estaria a ser “digitalizado” por ordem do procurador titular do processo, Rosário Teixeira. A cópia é entregue à defesa logo de manhã.
Menos de duas horas depois, José Sócrates era libertado.

processo consolidado? Muita tinta correu desde que, em Maio, José Sócrates foi confrontado por Rosário Teixeira, Carlos Alexandre e PauloSilva, inspector da Autoridade Tributária e principal investigador do processo com os indícios recolhidos.

A própria investigação recentrou-se, passando a focar-se no empreendimento de luxo de Vale de Lobo, no Algarve, e nas ligações daquela com a Caixa Geral de Depósitos, de que o ex-ministro Armando Vara foi administrador.

Ontem, o comunicado da PGR indicava que para o Ministério Público mostram-se “consolidados os indícios recolhidos nos autos, bem como a integração jurídica dos factos imputados”. Foi essa a razão apresentada para justificar que tenham sido revistas as medidas de coacção aplicadas a José Sócrates e ao empresário CarlosSantos Silva.
O perigo de perturbação de inquérito – que tem justificado, desde Setembro, no caso do ex-primeiro-ministro, a prisão domiciliária – “diminuiu”. O comunicado da PGR dava nota disso mesmo.

E, neste momento, já não há quaisquer arguidos privados de liberdade. Armando Vara, primeiro, e Carlos Santos Silva e José Sócrates, agora, estão sujeitos a não mais que um TIR.

Por outro lado, o processo continua a correr. Mas, ontem, na RTP, Pedro Delille sublinhava que o inquérito está a chegar ao fim. O advogado lembrava que “o prazo de inquérito acaba” no início da próxima semana e, perante essa realidade, o MP “ou acusa ou arquiva”.

A defesa continua a apostar na pressão sobre o MP, mas não é necessariamente forçoso que Rosário Teixeira tome já uma posição. Em casos de especial complexidade, como é o caso, é recorrente os inquéritos estenderem-se para lá do prazo estipulado. Se isso acontecer, o arguido pode requerer a aceleração do processo à Procuradora-geral da República – mas apenas isso. Não resultam daí quaisquer nulidades processuais.

Quanto a Delille, o advogado continua convicto de que a “Operação Marquês” nunca chegará a julgamento. Ao início da noite de sexta-feira, à saída da casa da ex-mulher de José Sócrates, onde o ex-primeiro-ministro passou o último mês e meio, e confrontado com essa questão, Delille disse apenas: “Penso que não” haverá acusação.

E insiste noutro ponto: Carlos Alexandre tem ainda de pronunciar-se sobre o pedido de nulidade de todos os actos realizados no âmbito do processo desde 15 de Abril.

E o comunicado da PGR parece indiciar precisamente essa necessidade de mais tempo para limar arestas, quando se refere que “subsiste a necessidade de conformação de versões e justificações dos arguidos, bem como a possibilidade de conformar factos desenvolvidos noutros países”.