Famílias gay. Ter dois pais ou duas mães divide opiniões

Famílias gay. Ter dois pais ou duas mães divide opiniões


 Famílias que juntam dois pais ou duas mães estão em minoria. E quando o tema envolve crianças, as opiniões dividem-se: de um lado estão os que consideram não ser benéfico, do outro, os que defendem que na base de tudo está o amor, independentemente do género.


Há cinco anos, Portugal juntou-se ao conjunto de países que permitem casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo. Mais de 1500 uniões depois, a adopção e co-adopção de crianças por casais gay ainda não é uma realidade legislativa no nosso país. Quando o assunto é discutido, os argumentos dividem-se entre os que acreditam que uma criança educada por duas pessoas do mesmo sexo pode desenvolver problemas relacionados com a sua personalidade e os que defendem exactamente o oposto: que não existe qualquer diferença no seu crescimento. 

Socorrendo-se dos mais de 700 estudos realizados na Europa e nos Estados Unidos, o pediatra Mário Cordeiro está convencido de que “viver numa família em que o casal é do mesmo sexo não traz, por si, qualquer problema para a criança”. Já a psicóloga infantil Rita Jonet duvida da veracidade dessas investigações:“Há muitos estudos contraditórios. Em termos científicos, há muito poucos fidedignos e acabam por ser enviesados consoante as pessoas que os estão a fazer.” A psicóloga defende ainda que, do ponto de vista da criança, “não é natural” ter dois pais ou duas mães. Na escola, ter uma família diferente pode gerar alguns problemas:“Trabalho num colégio e a experiência que tenho é que é muito complicado para as crianças explicarem esta parentalidade”, afirma. 

Mário Cordeiro acredita que os problemas estão na mente dos adultos e não na das crianças. As questões que “eventualmente surjam têm a ver com a sociedade e os pseudovalores que esta queira definir, estigmatizando pessoas”, defende, acrescentando que há muitos factores a condicionar a infância e a juventude, “desde a escola onde se anda, os professores que se têm, a casa onde se mora e os valores que são transmitidos”. Em contraponto, Rita Jonet considera que, no desenvolvimento da personalidade, a diferença, seja ela qual for, traz insegurança à criança. Esta é uma fase em que não gostam de ser diferentes dos outros: “Para assumirem isso, é preciso trabalhar com eles de uma forma consistente e sistemática.” Quanto à dialéctica pai/mãe, a psicóloga explica que as crianças têm de ter estes papéis na cabeça e esta questão “é tão importante” que mesmo quando “não têm, fantasiam com isso”.

PAIEMÃE Em termos teóricos, defende Rita Jonet, a criança precisa sempre, para um desenvolvimento adequado, de ter as facetas feminina e masculina: “O feminino como gerador de vida e o masculino como aquele que vai mais à luta.” O mesmo é dizer que uma criança precisa de um pólo maternal e de um paternal, representando o primeiro a regressão e segurança, e o segundo o crescimento e a ousadia. Em casais heterossexuais, nos tempos correntes, homens e mulheres desempenham esses dois papéis: “Um pai que embala um filho ou lhe dá banho está a fazer de mãe. Uma mãe que leva ao infantário ou estuda com a criança está a fazer de pai”, sustenta Mário Cordeiro. Assim, “interessa é que a criança possa contar com esse triângulo psicológico pai-mãe-ela, mas não importa se, em termos de pessoas, elas são do mesmo sexo ou de sexos diferentes.” 

A psicóloga infantil critica esta posição, explicando que “se está a menosprezar a dualidade pai/mãe com a quantidade de famílias diversificadas”, mas não necessariamente apenas com as famílias arco–íris. Para Rita Jonet, “a família tradicional, com as suas características mais naturais, dá mais equilíbrio à criança”. A mãe e o pai têm características completamente diferentes: “No dia-a-dia, a mãe até pode estar a trabalhar e o pai em casa, mas isso não quer dizer que a característica maternal não exista na mesma”, justifica. 

Um dos argumentos que têm sido mais usados e que é “cientificamente errado”, sublinha Mário Cordeiro, é o do impacto que um ambiente familiar composto por duas pessoas do mesmo sexo poderá ter na relação e descoberta da própria sexualidade dos filhos. “Se uma pessoa, para ter uma orientação sexual homo, tivesse de viver com pais do mesmo sexo, então não haveria homossexuais”, sustenta o especialista. 

sexualidade e amor Na opinião do pediatra, não há relação entre o percurso da sexualidade de uma pessoa e a dos seus pais. Aliás, Mário Cordeiro está convencido de que “uma criança ou adolescente nem quer nem deve saber nada sobre a vida sexual dos pais”. 

As manifestações de amor, “sejam de um casal hetero ou homo, sê-lo-ão sempre de amor”, explica, lembrando que a orientação sexual não é adquirida ao longo das vivências, mas é sim um processo inato e biológico que não faz “de um gay menos homem” nem transforma uma lésbica num homem. “Trata-se apenas de ter, como objecto de desejo sexual e de paixão e amor, uma pessoa do mesmo sexo”, resume o pedopsiquiatra. E poderão estas crianças desenvolver comportamentos homofóbicos por lidarem com o preconceito? Sim, “mas tanto como a população em geral”, responde Mário Cordeiro.

Sobre a possibilidade de adopção por casais do mesmo sexo, Rita Jonet está reticente: “Do ponto de vista das crianças, não acho, à partida, bem. Mas cada caso é um caso.”

Já Mário Cordeiro usa a ironia para reforçar a sua posição. Para o pediatra, o argumento de que “não é natural” é tão “estúpido como usarmos roupas porque está frio, óculos quando não vemos bem ou deslocarmo--nos a 100 km/h quando o natural é deslocarmo-nos a 4 km/h ou, no máximo, 36 km se formos o Usain Bolt e, mesmo assim, só por 100 metros”.