No seu currículo constam filmes como o mítico “Regresso ao Futuro” e o premiado “Forrest Gump”, que lhe valeu o Óscar para Melhor Realizador, em 1995. Ainda assim, este “The Walk – O Desafio” pode bem ser o mais ambicioso projecto da vida de RobertZemeckis.
O realizador recriou a proeza do equilibrista francês Philippe Petit que, na manhã do dia 7 de Agosto de 1974, atravessou um cabo de aço entre as duas torres do World Trade Center, em Nova Iorque, e ali ficou, suspenso, durante 45 minutos. A façanha já tinha sido retratada no documentário de 2008 “Man on Wire”, mas aqui o espectador é levado a viver uma experiência como nunca viveu. Doze homens andaram na Lua, mas apenas um caminhou entre as duas torres que os ataques de 11 de Setembro de 2001 destruíram. Neste “The Walk – O Desafio”, o espectador é levado à posição do próprio Philippe Petit, a mais de 400 metros do chão, no meio das nuvens. Filmado em 3D, este não é um filme próprio para quem sofre de vertigens.
Mestre no uso das novas tecnologias, Robert Zemeckis captou a atenção internacional em 1985, com o filme “Regresso ao Futuro”. Foi o primeiro de muitos sucessos, nos quais se incluem obras como o já referido “Forrest Gump” e “Quem Tramou Roger Rabbit”,“Em Busca da Esmeralda Perdida”, “O Náufrago”,“Contacto” e “O Voo”. Este “The Walk – O Desafio”, protagonizado por Joseph Gordon-Levitt, Ben Kingsley e Charlotte Le Bon, pode bem tornar-se o maior sucesso do percurso cinematográfico de Zemeckis. Um percurso feito, muitas vezes, sem rede. Tal como Philippe Petit.
Foram necessários vários anos para que “The Walk – O Desafio” entrasse em produção. Porque demorou tanto tempo? Acha que teria sido possível fazer este filme antes do sucesso “Gravidade”, de Alfonso Cuarón, um projecto que fez um uso semelhante da tecnologia de última geração ao serviço de uma narrativa dramática?
Talvez não. Seguramente, uma das maiores dificuldades que tive para conseguir fazer este filme teve a ver com o facto de, hoje em dia, ser muito difícil fazer um filme que tente ser único e original. Se a isso acrescentarmos que é um filme sobre um equilibrista e que o queria fazer em 3D… era quase uma façanha impossível. Mas para responder à pergunta, sim, penso que, quando o público abraça um projecto – como aconteceu com “Gravidade”, que foi muito bem recebido pela sua história única mas também pelo uso de 3D –, isso faz com que se pense que talvez goste de algo que também junta espectáculo e emoção, como este filme.
Numa entrevista recente disse que queria fazer “The Walk – O Desafio” pela forma como a história se prestava ao 3D…
Essa não foi “a” razão para fazer este filme. Sempre senti que existe razão para o 3D se este vem da própria história, em vez de ser o que são a maior parte dos filmes, que são meras adaptações, projectos que não foram pensados, desde a sua origem, para serem em 3D. Eu andava à procura de uma história que fizesse sentido contar em 3D, como esta.
O que o seduziu nesta história?
Foi a ideia de um artista ser capaz de arriscar tudo para conseguir criar a sua arte. É algo com que me identifico, é algo que compreendo totalmente: aquele sentimento de que temos de fazer algo, custe o que custar. Aquilo que também me conquistou foi o facto de ser uma fábula magnífica. Tem todos os componentes que as pessoas adoram, à semelhança de “Casey at the Bat”, de Ernest Thayer, ou “Robin Hood”. E parece ainda mais poderosa agora porque as torres já não existem. Nunca poderá voltar a acontecer, por isso agora é “apenas” uma fábula.
É conhecido por, nos seus filmes, levar sempre mais longe as inovações tecnológicas. Aqui voltou a consegui-lo…
Sempre acreditei que uma das coisas que leva as pessoas ao cinema é o espectáculo. Já o disse várias vezes, mas uma das minhas citações favoritas é do François Truffaut: “Um filme realmente bom é a perfeita fusão entre verdade e espectáculo.” Acho que é por isto que vamos ao cinema, para ver uma história que esteja baseada na verdade e na viagem do ser humano. Mas também queremos uma componente de espectáculo, e é isto que o cinema consegue fazer melhor do que qualquer outra forma de arte. Por vezes, o espectáculo reside num pormenor, nem sempre tem que ver com grandiosos efeitos visuais. Por vezes tem a ver com o singelo poder de uma interpretação. Isso também é espectáculo.
Ainda assim, neste filme há muitos momentos grandiosos.
Sim [risos]. Lá está, essa é uma das razões para o ter feito: ter a oportunidade de fazer algo único…
Como recriar a caminhada de Philippe Petit?
Foi um gigantesco desafio ao qual tive de me agarrar com unhas e dentes. É um momento magnífico, no final do filme, e é o culminar do sonho de um homem. Quando vemos a coreografia daquilo que ele fez sobre o arame, é uma aventura por si só, porque na vida real ele esteve lá em cima 45 minutos. Tal como o próprio Philippe explica no seu livro, a polícia apareceu em ambas as torres e, portanto, restou-lhe actuar, pois assim era impossível prendê-lo ou impedi-lo. Ele estava no meio e, se andasse para um lado ou para o outro, seria preso e acabava tudo. Ele teve de decidir o que fazer, e essa é uma componente dramática do filme. A outra coisa que tornaria tão especial um filme sobre algo tão simples como um equilibrista é que, quando os vemos actuar, temos apenas um ângulo, uma perspectiva, que é olhar para cima. Nunca ninguém assistiu a uma destas actuações a olhar para baixo. Quão maravilhoso seria colocar o público no próprio arame? Agora, é certo que quem tem vertigens não se sentirá confortável a ver a maior parte das cenas deste filme [risos]. Mas esse foi outro dos aspectos que me apaixonou em filmar esta história.
No passado já fez filmes em que recorreu a tecnologias de captura de movimentos. Porque quis regressar à live action?
Nunca deixei a live action. Escreveu-se que teria dito que ia deixar, mas nunca o fiz. Mas adoro a ideia da performance capture, acho que é uma forma de arte que veio para ficar.
Porque acha que quer realizadores, quer público olham com tanto carinho para filmes da década de 80, como “Regresso ao Futuro”?
Nessa altura, quando conseguíamos fazer um filme como “Regresso ao Futuro”, estávamos perante uma indústria diferente da que temos hoje. Era possível fazer um filme que fosse muito excêntrico, muito “fora”. Era possível experimentar. O triste acerca do que aconteceu com a indústria actual é que já não há espaço para filmes como “Regresso ao Futuro”. Os filmes que tentam ser mais originais raramente têm o apoio de uma grande distribuidora. Continuam a ser feitos, mas a maioria das pessoas não chega a vê-los.
Qual foi o maior desafio com que se deparou para fazer este filme?
O que sinto é que a recompensa é directamente proporcional ao risco. Mas o risco é grande porque a história não é baseada num comic ou num título pré-existente. É única e isso é arriscado. Sempre que fazemos algo original e único, corremos um risco.
Parece que tem muito em comum com Philippe Petit.
Sim, ambos voamos sem rede!
Alguma vez se sentiu como se estivesse num arame, tal como Philippe?
A todo o momento [risos]. Acho que, cada vez que um realizador faz um filme, está a caminhar no arame.
Philippe Petit demorou anos a preparar a sua caminhada entre as duas torres. Também tem um projecto que lhe tenha exigido uma paixão e entrega semelhantes e que tenha levado anos a concretizar?
Este. Foram precisos seis a sete anos para concretizar este filme. Trabalhei muito e de forma muito afincada para conseguir arrancar com este projecto e concretizá-lo.
Porque foi preciso tanto tempo?
Suponho que, para os tempos que correm, não foi muito tempo. No passado não teria demorado tanto, tem a ver com o que já disse antes. Este filme representa um grande risco… Sinto-me grato por finalmente ter conseguido terminá-lo. Foi uma longa luta.
Como foi trabalhar com Joseph Gordon-Levitt, que dá vida a Philippe Petit?
Quando o conheci, senti que ele entendia totalmente o coração e a alma desta personagem. Se olharmos para o seu currículo, ele é um dos poucos jovens actores que não apenas sabe representar, como ao mesmo tempo é um entertainer.
Que tipo de colaboração tem com a TriStar e Tom Rothman?
Temos uma colaboração muito estreita. O Tom Rothman e eu fizemos juntos “O Náufrago” quando ele era o presidente da 20th Century Fox, portanto conhecemo-nos há muito tempo. Este foi um filme muito arriscado, mas ele era um grande fã desta história e teve a coragem de dar luz verde a este filme.
Já falámos da componente de espectáculo do que filmou. Mas este também parece um filme de acção sobre como Petit e a sua equipa conseguiram levar avante esta proeza. Foi desta forma que o abordou?
É um filme de acção e crime, mas ninguém está a tentar roubar ou destruir nada. Eles não estão a tentar acabar com o mundo ou roubar as jóias de alguém. A caminhada de Philippe foi descrita como o crime artístico do século. E é isso que é. Tem todos os elementos de um filme sobre um crime, mas sem vítimas. É um crime de Philippe por amor à arte.E ao mesmo tempo é uma declaração de amor às Torres Gémeas, que são elas próprias personagens do filme. De certa forma, este filme é uma celebração: este foi um momento glorioso que aconteceu naqueles dois edifícios que tiveram uma trágica história. Penso que é algo que é importante recordar.