© Manuel de Almeida/Lusa
Um partido sem memória é um partido sem futuro. Não é a primeira vez que o “corram com eles” assume a dimensão de ser todo um programa político. Foi o impulso que esteve na base da coligação negativa (PSD, CDS, CDU, BE e Verdes) que derrubou o governo do PS em 2011 e preside agora ao esforço de diálogo à esquerda.
O ”corram com eles” de 2011 resultou na vinda da troika, na assinatura do memorando e na ascensão ao poder da direita, com a aplicação de um programa de ajustamento em que o PS conseguiu as demarcações necessárias para se posicionar para a conquista de uma maioria de governo em 2015. Nessa altura é que se divergiu da rota PASOK em que agora querem recolocar o PS.
O “ corram com eles” de 2015, não radicando numa vitória do PS, deveria estar centrado na mudança das políticas de austeridade e não em lógicas de salvaguarda das lideranças, em experimentalismos não consolidados em plataformas pré-eleitorais (ou estariam?) ou em soluções sem nenhum nexo com o que sempre foi dito e feito pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP.
Num partido fundador da democracia portuguesa não é aceitável o nível de intolerância com quem pensa diferente, numa lógica tribal de culto ao chefe em que a liberdade de expressão é confundida com o insulto gratuito e acéfalo. Socialistas são os que apoiam o chefe ou os que concordam com a sua estratégia; quem discorda deve sair, ser expulso ou ser rotulado de direitista (no mínimo).
Um partido político não é uma federação de tribos em torno de uma liderança de turno. É ou devia ser um acervo de valores, de princípios e de coerência política, mas tende a transformar-se numa mera plataforma de acesso ao poder, tocada a “vale tudo”.
Neste quadro, é normal que prevaleçam as ambições pessoais, a agressividade verbal que antecede a física e o desespero no acesso ao poder para garantir a sobrevivência política e alimentar as expectativas que resultam da reconfiguração do perfil da militância operada desde 2005. Uma boa parte dos militantes do PS está mais à esquerda que o seu eleitorado. É o tradicional dilema entre os “tifosi” radicais e os potenciais eleitores moderados.
Num partido que preza a democracia, os resultados eleitorais são respeitados. Foi assim nas legislativas de 2009. Foi assim nas eleições regionais em 1996, quando o PS e Carlos César iniciaram um ciclo de transformação dos Açores, apesar de o PS ter ganho com 24 deputados, o PSD ter tido 24 eleitos, o CDS ter 3 e a CDU apenas 1.
Com as vitórias do PS, sem maioria absoluta, os protagonistas governaram e aplicaram os seus programas eleitorais, com as cedências que se impuseram pelas circunstâncias políticas. É que nesta coisa da democracia é uma chatice não haver poder para predestinados, por direito divino ou por decreto; nem todos pensarem da mesma forma e existirem regras que configuram o Estado de direito democrático.
A fragilidade dos indicadores financeiros, económicos e sociais do país, com factores que não controlamos, dos escândalos da indústria automóvel a várias situações internacionais, redobra a exigência sobre as variantes que estão ao alcance da vontade política. E sobre as vontades manifestadas vislumbram-se algumas constatações:
• O Presidente da República, que dizia ter todos os cenários estudados, surge bloqueado perante a realidade, sem iniciativa, cada vez mais remetido ao que lhe impuserem ou ao uso da “bomba atómica” disponível, vedada que está qualquer dissolução do parlamento. Quanto não valia ter antecipado as eleições legislativas? Que fará perante a circunstância de uma solução governativa de esquerda que se comprometa a viabilizar o governo, a suportar a parte boa do Orçamento e a pondxerar o resto das políticas e dos quatro anos?
• A coligação de direita, apesar da vitória, apresenta-se atordoada, com a mesma incapacidade política para negociar que registou em 2013, quando o PSD foi a força de bloqueio às mudanças, e sem saber interpretar o sentido do voto dos portugueses: “corram com essas políticas”.
• Nenhuma sobrevivência política individual justifica que se coloque em causa o interesse nacional ou a futura viabilidade política e eleitoral do Partido Socialista. Do memorando com a troika, pelo que se fez entre 2011 e 2014, o PS conseguiu sobreviver; quanto a experimentalismos idílicos sem adesão à história da nossa democracia, com o passado recente (de há dias) e com o pensamento actual do Bloco de Esquerda e do PCP, temos as maiores dúvidas.
O país não é Lisboa, concelho em que, apesar do trabalho realizado, o PS não conseguiu ganhar a 4 de Outubro. Que custos resultarão do impasse para o país e para os portugueses? Que danos eleitorais resultarão para o PS no país, nas eleições regionais dos Açores em 2016 e nas autárquicas de 2017?
Quando o “corram com eles” é todo um programa, ninguém se livra de ter uma Catarina qualquer a decretar o fim de projectos políticos. Só os cidadãos são os tabeliães da democracia.
Escreve à quinta-feira