Há 15 anos a trabalhar num cabeleireiro nos Anjos, em Lisboa, Manuela Marques colecciona já várias histórias para contar, como aquela de um sem-abrigo que ajudou a voltar para casa. “Por causa da droga, deixou a família, que até tinha muitas posses, e trocou as Caldas da Rainha pela rua onde eu trabalhava.” Em troca de umas orientações para estacionar o carro de manhã, Manuela dava–lhe roupa e trazia-lhe todos os dias o almoço. Quando o convenceu a voltar para a família, passou a dedicar o seu tempo a ajudar o sr. Rui, que dormia duas portas ao lado e a quem assegurava pequeno-almoço pago no café da esquina.
A relação entre os comerciantes e os sem-abrigo na freguesia de Arroios é tão próxima como a de qualquer vizinhança. “Alguns estão cá há anos”, conta José Sousa, “e é bom para os dois lados que haja uma relação de alguma confiança”, explica o dono da Pastelaria Lisboa, paredes- -meias com a Igreja dos Anjos, numa das praças da freguesia com maior concentração de população sem-abrigo.
Segundo a última contagem feita pela freguesia, e a que o i teve acesso, existem 32 pessoas a viver nas ruas de Arroios. Além do acompanhamento que a equipa da autarquia faz semanalmente junto desta população, houve agora a necessidade de trabalhar junto de moradores e comerciantes para que saibam como lidar com esta realidade.
As três acções, que juntam elementos da junta e da Associação Crescer na Maior, centram-se no Jardim Constantino, no largo da Igreja dos Anjos e no Mercado de Arroios, algumas das zonas com mais sem–abrigo. A experiência de Hugo Marques, assistente social da freguesia, leva-o até a fazer uma divisão entre o tipo de pessoas que escolhem cada local: “Actualmente, juntam-se de dia na Igreja dos Anjos, mas dormem no Jardim Constantino.” Marta Nascimento, da Associação Crescer na Maior, acrescenta: “Se junto à igreja há muito consumo de álcool, as drogas desceram para a Almirante Reis.”
Cientes dos problemas que o abuso destas substâncias podem trazer para quem vive e trabalha na zona, a equipa da junta de freguesia têm vindo a entregar panfletos com todos os contactos disponíveis para que os casos mais graves sejam sinalizados. “Aparece aqui de tudo”, conta Arlindo Simões, que vai ajudando como pode aqueles que lhe aparecem à porta do restaurante que tem aberto mesmo atrás da igreja. “É bom ter forma de os ajudar, porque sei que dar-lhes bolos e sumos, como faço agora, não é a solução”, acrescenta.
A equipa é unânime em concordar com o comerciante e aproveita para explicar que existem refeições disponíveis em locais como o Núcleo de Apoio Local, no Largo de Santa Bárbara, gerido pelo Centro Social e Paroquial de São Jorge de Arroios. O núcleo começou a funcionar em Setembro de 2013, contando com uma sala de refeições e outra de atendimento. “É este tipo de iniciativas que queremos dar a conhecer. Percebemos a boa intenção de quem quer ajudar, mas há formas mais eficazes de o fazer”, resume Hugo Marques.