O ex-administrador financeiro do Banco Espírito Santo (BES), Amílcar Morais Pires, viu a Relação de Lisboa dar-lhe razão, ao anular o arresto dos seus bens quando ainda não tinha sido constituído arguido num processo do universoEspírito Santo. Mas nada garante que os outros protagonistas a quem foram confiscados bens neste processo vejam os juízes desembargadores seguir a mesma leitura e devolver-lhes o que há meio ano tem estado preventivamente à guarda da justiça.
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Os especialistas em direito penal ouvidos pelo i são unânimes em relação a dois pontos. Primeiro, aquilo que o Tribunal Central de InstruçãoCriminal fez não encontra qualquer respaldo na legislação. Em caso algum um arresto poderá ser aplicado sem que a pessoa alvo do mesmo tenha sido constituída arguido. “A partir do momento em que o arresto é realizado, ou, pelo menos, ao mesmo tempo em que isso acontece, deve-se constituir o arguido”, explica um penalista, que prefere manter o anonimato.
Foi, de resto, essa a principal fundamentação da Relação de Lisboa para declarar nula a decisão do juiz de instrução Carlos Alexandre, dando “inteira razão” à defesa de Morais Pires nos argumentos que apresentou.
Segundo a decisão dos desembargadores Calheiros da Gama e Antero Luís, a decisão vale para o recurso do ex-responsável do BES e, se houver outros interessados em reaver os bens que lhe tenham sido arrestados, estarão à sua sorte. Isto é, o acórdão de 8 de Outubro não faz jurisprudência. Apesar de considerarem que só com a constituição de arguido podem ser arrestados bens (como refere o artigo 192 do Código de Processo Penal), os especialistas sublinham que isso não significa que decisões futuras do Tribunal da Relação de Lisboa sejam tomadas na mesma linha que a dos juízes desembargadores, no caso de Morais Pires. Estavam na mesma situação o ex-presidente do banco, Ricardo Salgado, e José Manuel Espírito Santo, ex-administrador executivo do banco.
Aqui, há leituras diferentes. Na edição de ontem, o “Diário de Notícias” citava o advogado Paulo Saragoça da Matta que, antecipava que decisões futuras “serão no mesmo sentido” daquela tomada no final da semana passada.
“Apesar desta decisão apenas abarcar quem interpôs recurso, é uma nulidade automática relativamente ao arresto de bens de Morais Pires mas significa que não pode haver duas decisões diferentes sobre o mesmo direito”, defende.
repetir os mesmos passos Para já, não é ainda claro que algum deles tenham levantado objecções ao veredicto de CarlosAlexandre. Ao i, o advogado do ex-presidente do BES, Francisco Proença de Carvalho, limitou-se a dizer que não estaria interessado em “fazer comentários” sobre este tema. Mas o “Expresso” avançava ontem, na sua edição diária, que a sociedade Pedra da Nau, de que Salgado é administrador minoritário, tinha requerido a anulação do arresto de vários imóveis, entre os quais a actual residência do ex-banqueiro.
Um exercício que corre o risco de ser infrutífero. É que, se no momento em que os respectivos bens foram arrestados Morais Pires e Ricardo Salgado não tinham sido constituídos arguidos, essa situação mudou, entretanto. Na prática, bastaria ao Ministério Púbico (MP) voltar a requerer esse procedimento para que a história se repetisse.
Neste momento, já há sete nomes na lista de arguidos do chamado universo Espírito Santo. Morais Pires foi o último a integrar o grupo. Além dele, Ricardo Salgado, José ManuelEspírito Santo, José Castella (que detinha o controlo financeiro do GrupoEspírito Santo), PedroLuís Costa (ex-administrador da Espírito Santo Activos Financeiros), Isabel Almeida (ex-directora financeira do BES) e António Soares (ex-director do BES- Vida).
A existirem outros com bens arrestados que não tenham sido constituído arguidos terão, em primeiro lugar, de requerer a Carlos Alexandre que essa decisão seja revista. Caso o juiz de instrução mantenha a sua posição, só um recurso para a Relação de Lisboa poderá reverter a decisão.