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Noite de 4 de Outubro. Com um dos mais fracos resultados do PS em legislativas em 20 anos (pior, só Sócrates em 2011), os socialistas entram em choque. Não era para menos: eles tinham acabado de perder as eleições que há mais de um ano se dizia estarem garantidíssimas por António Costa. Entre sorrisos nervosos que não conseguiam espantar o sentimento fúnebre, Costa destilou bonomia.
É o derrotado mais feliz que a política portuguesa recorda. Mesmo assim, nessa esquizofrénica noite eleitoral, Costa perde os votos mas não perde a dignidade. Coerente com o que tinha defendido em 2009 – “os portugueses conquistaram um direito a que não podem nem devem renunciar: o direito a que os governos não sejam formados pelos jogos partidários, mas que resultem da vontade expressa, maioritária, clara e inequívoca de todos os portugueses” –, Costa recusa uma coligação negativa e concede, na tradição democrática, a iniciativa política da formação de governo a quem ganhou.
Mas colocou condições: a viabilização de um governo PSD/CDS dependia da aceitação de quatro pontos inegociáveis. Isto foi no domingo, 4. Com as facas afiadas e ameaças veladas à sua liderança, Costa reúne a sua comissão política nacional na terça-feira, 6. Dia 7, o secretário–geral do PS rasga cada uma das palavras que tinha dirigido ao país e inicia a formação da maioria negativa, da coligação dos perdedores.
Mesmo antes de se reunir com Passos Coelho e Paulo Portas, mesmo antes de dar ao país uma oportunidade de estabilidade fiel à vontade expressa nas urnas, Costa vai à sede do PCP para um beija-mão histórico à liderança comunista. De fazer corar socialistas com memória, daqueles que lutaram pela liberdade neste país. Estava em marcha a constituição da frente das esquerdas. As rondas negociais prosseguem e ligação de Costa com a extrema-esquerda adensa-se. Com o PCP, com o BE e até com os Verdes, as conversas são doces. Décadas de divergências passam a convergências instantâneas. Já com a coligação, é tudo sensaborão. Inconclusivo.
Costa já tem casamento prometido com a esquerda radical. Está tudo fechado. E o resto não passa de encenação. De jogo de sombras. Como se diz na gíria, Costa está a dar baile à coligação, a ser manhoso e a utilizar a maior perversão política. E com os portugueses é desonesto e irresponsável.
Já todos devíamos ter percebido que Costa não quer saber dos resultados eleitorais. Não quer tirar ilações da sua liderança desastrosa. Não quer saber das consequências para o PS e para Portugal da sua corrida desenfreada para o colo de partidos em que a maioria dos portugueses nunca confiou. Não quer negociar nada com a coligação. Só quer mesmo ser primeiro-ministro. Porque só sendo primeiro-ministro pode sobreviver politicamente. Costa especializou-se em golpes.
Mal garantiu lugar para os seus nas listas às eleições europeias, traiu Seguro, a quem tinha feito juras de lealdade assinando o documento de Coimbra. É um derrotado.
Avançou contra Seguro quebrando um ciclo de três vitórias consecutivas porque o resultado nas europeias tinha sido “poucochinho”. Mas com Costa ao leme, o PS já soma duas derrotas e vai a caminho da terceira. Costa é um engano permanente. É um homem sem estratégia, sem norte e, já não restam dúvidas, sem palavra e sem honra.
Como é tradição nos partidos a quem agora se promete aliar, também o PS parece existir apenas e só para servir o seu líder. Tudo começa e acaba em Costa. Mais fosse preciso, aí está o referendo interno (e porque não primárias abertas?) onde vai ser legitimada a guinada do PS à esquerda para provar o que digo. Percebemos ao longo desta semana que os governos não são um resultado dos votos.
É a segunda vez que a discricionariedade da esquerda perverte a vontade popular. Em 2004, Jorge Sampaio derrubou um governo de maioria absoluta liderado por Santana Lopes.
A democracia portuguesa não aguenta mais golpes palacianos nem mais jogadas por baixo da mesa.
Escreve à quarta-feira