As hipóteses possíveis de governo mantiveram-se até ontem sem qualquer alteração, enquanto se aguarda o apuramento da votação da emigração, que decide quatro mandatos – o que não é coisa pouca.
A lógica política e tradicional portuguesa apontaria para a constituição de um governo minoritário só do PSD e do CDS, mas há outras geometrias possíveis, começando numa mais que improvável maioria de esquerda (PS, CDU e BE) unida num governo que teria, à partida, uma legitimidade indiscutível. Tão indiscutível como a sua falta de credibilidade interna e externa.
Assim sendo, em alternativa ao governo Passos/Portas mantém-se, em primeira hipótese, um executivo minoritário do PS que seria igualmente legítimo (desde que passasse na Assembleia), mas que teria de sobreviver na busca constante de entendimentos pontuais à esquerda e à direita, o que o tornaria uma instituição vulnerável numa altura em que os portugueses parecem ter pedido uma suavização do rumo anterior, mas definida e coerente.
Curiosamente (ou talvez não), excluem–se normalmente duas hipóteses de governo que potencialmente dariam uma estabilidade de legislatura: um governo juntando PSD, PS e CDS (com os centristas apenas presentes simbolicamente) ou até um bloco central puro e duro, reunindo só PSD e PS, como o que Mário Soares e Mota Pinto constituíram por motivos patrióticos e que poderia ser ponderado novamente, dada a nossa situação precária. Nesse caso excluía-se o CDS, o que (reconheça-se) não deixaria de ser uma impossível traição do PSD à palavra dada que não acontecerá enquanto Passos for líder.
Tudo isto para concluir que há variadas soluções para constituir governo.
Talvez o mais estranho do quadro dos últimos dias esteja na circunstância de que quem se tem mexido menos seja Passos Coelho, que foi, afinal, a figura incumbida pelo Presidente Cavaco de encontrar uma solução estável. Passos voltou a mostrar que é um político racional e frio. Só fez três coisas: duas reuniões com o PS e a elaboração de um documento propositadamente aceitável para a maioria dos socialistas.
Há uns anos, na mesma situação, Sócrates chamou todos os partidos a S. Bento e despachou a parte formal da incumbência de constituir governo perguntando algo do género: “Olá. Não querem coligar-se comigo, pois não? Não. Então muito gosto em vê-los.” E assim obrigou Cavaco a aceitar um governo minoritário do pé para a mão.
Contrastando com a serenidade de Passos, António Costa (o grande perdedor) entrou em hiperactividade e foi bater à porta do Bloco e da CDU, a fim de arranjar uma solução negociada que lhe permita chegar ao lugar de primeiro-ministro, o único que lhe pode dar alguma garantia de ter futuro político imediato. Costa parece apostar mais nessa do que noutra qualquer, embora saiba que terá de se empregar a fundo para a fazer passar no PS, seja através de referendo, de um congresso ou só na comissão nacional. Sábio negociante, está a jogar tudo para ganhar.
As múltiplas hipóteses que existem não podem, porém, tornar-se uma espécie de partida de xadrez em que nada está em causa salvo o ego do jogador. Mais à direita ou mais à esquerda, Portugal precisa de um governo sólido que tenha um rumo realista, europeu, e um programa assente no crescimento e na aceitação dos compromissos internacionais, nomeadamente a moeda única e o pacto orçamental estabelecido com Bruxelas.
Vivemos uma fase de grande instabilidade interna e externa em que até a nossa maior fábrica (a VW em Palmela) está em perigo. Os portugueses estão pobres, cansados e desgastados. Foram-lhes impostos sacrifícios necessários e desnecessários. Às suas custas continuaram a fazer-se negociatas escandalosas de toda a espécie. Agora merecem e exigem soluções concretas, exequíveis e sérias.
Numa altura que está em fim de mandato, Cavaco está a ter um papel importante em conciliar posições a bem do país. Como sempre, faz uma discreta pedagogia em reuniões das quais exige sigilo total. Ao contrário do que alguns precipitadamente julgaram, o Presidente não tentou acelerar rigorosamente nada após as eleições. Pelo contrário, deu tempo porque sabia melhor que ninguém que a primeira coisa a fazer era deixar assentar a poeira política para depois surgirem soluções que apresentassem um grau de coerência e de estabilidade aceitável interna e externamente, respeitando a democracia.
Como está à vista, certos gritos de vitória e certas caras de derrota do dia 4 foram manifestamente exagerados. Ao menos agora, que venha o tempo da responsabilidade, mesmo que o processo de formação do governo ainda dure um tempo.
Jornalista
Director da Newshold
Escreve à quarta-feira