No meu tempo andávamos de bicicleta, jogávamos futebol, lançávamos o pião, saltávamos muros, fazíamos algumas maldades, rachávamos a cabeça, arranhávamos as pernas e os cotovelos, mas não púnhamos em risco a vida de terceiros com as nossas brincadeiras.
Foi esta recordação que nostalgicamente me acudiu depois de, no passado fim-de-semana, ver em modo pré–sono, num dos nossos canais de televisão, uma reportagem sobre o uso de lasers dirigidos para o cockpit dos aviões antes da sua aterragem! Pensei cá com os meus botões que ou era brincadeira (de mau gosto) – estávamos longe do Carnaval, e mais ainda do primeiro de Abril – ou então só poderia resultar de efectiva suspensão temporária da minha actividade perceptivo-sensorial, vulgo sono.
Concluí que, afinal, se tratava de um fenómeno sério e verdadeiro, que vem ocorrendo com crescente frequência em diversos países, designadamente neste à beira-mar plantado, tendo aquela prática sido já tipificada como crime nos EUA e no Brasil, oferecendo o FBI recompensas a quem der informações sobre a identificação e paradeiro dos respectivos autores, tendo, por sua vez, a autoridade aeronáutica brasileira, CENIPA, um portal específico para nele serem apresentadas denúncias.
Acontece que, qual não foi o meu espanto, pude constatar que em Portugal, segundo dados do Gabinete de Prevenção de Acidentes com Aeronaves, foram reportados 185 casos em 2013, 310 em 2014 e, só no primeiro trimestre de 2015, 43 casos de uso de laser direccionados contra o cockpit de aviões, com maior incidência nos aeroportos de Lisboa e do Porto, havendo relatos de ter já havido a necessidade de tomada de decisões de emergência (imagine-se), existindo, assim, fortes indícios da prática de 538 crimes!
É verdade: no nosso país, com o objectivo primordial de acautelar a segurança nas comunicações, aquele que atentar contra a segurança de transporte aéreo, praticando acto do qual possa resultar desastre – qualquer situação anormal em relação à forma habitual de uso e funcionamento do avião – e criando perigo para a vida ou a integridade física de outrem, é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos, que será agravada para 4 a 13 anos caso resulte morte ou ofensa à integridade física grave de uma outra pessoa.
Cremos que o actual tipo legal do crime de atentado contra a segurança de transporte por ar, água ou caminho--de-ferro (art.o 288.o do Código Penal), cujo agente é punido a título de dolo, mas também a título de negligência (sublinhe-se), consente já, por via da natureza subsidiária daquela previsão, que ali se busque a penalização do uso de laser, afigurando-se, portanto, dispensável uma eventual incursão legislativa especificamente destinada a criminalizar aquela prática.
Atendendo o carácter galopante do fenómeno aqui descrito, urge, então, a realização e ampla divulgação conjunta por parte dos ministérios da Defesa, da Administração Interna e da Justiça de campanhas de sensibilização para o combate de tal prática, alertando os seus autores para as gravíssimas consequências que podem decorrer daquele seu disparatado e insensato acto para a segurança aérea e, consequentemente, para a vida dos respectivos passageiros, lembrando-os de que no avião, alvo de tamanha tontaria, até pode viajar um familiar, um amigo ou um conhecido seu.
Os tempos mudam e com eles, bem sabemos, algumas brincadeiras, mas que saudades eu tenho daquelas inofensivas que profusamente me divertiam!
Sócio de PLMJ