"A boca fica fechada. O olho é que sorri.” Nuno Gama tenta explicar a arte do smizing (sorrir com os olhos) a um aspirante a modelo um bocado desengonçado que se esforça por conseguir um lugar no seu próximo desfile. “Tens de ser mais convincente, senão as pessoas têm pena de ti. O que é que essas mãos estão a fazer aí à frente? Vão apanhar ameixa?”
Não está fácil. Há risos misturados com um nervoso miudinho, até porque os próximos a desfilar na sala asfixiante dentro da loja e barbearia de Nuno Gama vão ser eles. Nós apenas desfilámos para nos escondermos no meio de uma pilha de caixas de sapatos e assistirmos infiltradas ao casting para o próximo desfile do estilista na ModaLisboa, já no domingo. Nada de avaliações. Nem de cavalos, pelos vistos.
“Este ano não vai haver cavalos”, avisa Nuno Gama da sua secretária, referindo-se à apresentação da colecção passada (de Outono/Inverno), que meteu a banda da GNR a cavalo na linha da frente. Nesta colecção de Primavera/Verão “vai haver calções e uns panos indianos”, aprendemos. “Por isso, se alguém tiver tatuagens visíveis, avise.”
Um dos modelos do grupo explica o significado de algumas das novas tatuagens que tem no braço e percebemos também que desfilar com os braços na posição certa pode ser complicado.“Isto é uma coisa doce. Não vamos puxar um travão de mão nem há stresse nenhum para se mexerem assim”, comenta o estilista. “Nada de abanar o corpo, não estão a fazer nenhuma aula de kizomba nem de hip-hop. A única coisa que podem abanar são os pezinhos.”
“Lusíadas II” será o nome do desfile de domingo. “Na última edição da ModaLisboa viajámos até ao cabo das Tormentas. Esta estação desafiámos o ‘Mostrengo’ e porque ‘manda a vontade que me ata ao leme’, intrépidos, dobrámos o cabo num desejo de universalismo único que a Língua Portuguesa deu ao Mundo, no encontro da incrível África, pelo imenso Índico até à silenciosa beleza Asiática das amendoeiras em flor”, escreveu Nuno Gama num comunicado de apresentação da próxima colecção.
Quer isto dizer que para viajar pelos “4 cantos do Mundo” vai precisar da ajuda de modelos mais exóticos do que o habitual. “20 homens ‘portugueses’, 20 homens asiáticos, 20 homens africanos e 20 homens indianos”, escrevia num anúncio que publicou na sua página de Facebook. “+1,80 cm, garra, pinta e boa disposição” eram os requisitos para o casting, e pela fila à porta da sua loja no Príncipe Real depois de almoço (o casting começou logo de manhã), há muita gente a querer encaixar-se no perfil.
“Tem sido sempre assim”, confessa-nos uma das funcionárias da loja. “O ano passado ficámos aqui até à uma da manhã e a fila enchia a rua.” Por enquanto estamos no sétimo grupo (com perto de dez modelos e aspirantes a modelos) e ainda estamos longe do fim.
Fábio, o “Mr. Universo”, como Nuno Gama lhe chama, já é repetente nestas coisas dos castings. “Ó Fábio, mas isso é um exagero, nem o 58 te cabe”, diz-lhe Nuno, depois de Fábio despir a camisola.
Demasiado ginásio, é a explicação, e o modelo já ganhou “12 quilos” nos últimos tempos, comentou pouco antes. “Tu tens cara, tu tens altura, tens é de perder um bocado disto que é um exagero”, aponta-lhe para o peito. Mas pelos vistos o 58 até lhe cabe e é mesmo para isso que os castings servem: tirar medidas.
Provar calças, despir calças, provar casaco, despir casaco, o ritual é quase sempre o mesmo. Depois, é a atitude de quem vai desfilar. “E atenção que as músicas desta estação são traiçoeiras”, avisa Nuno Gama. “A música é indiana, muito estranha, e por isso não fiquem à espera que a música vos dê o poder sobre o que quer que seja. Vocês é que têm de levar o poder com vocês.”
Quem tem o tal poder e foi escolhido no casting será avisado com uma mensagem de Facebook. Mas não é Nuno Gama que escolhe. “É a colecção.”
“O mais importante é vocês encaixarem na colecção”, despede-se de mais um grupo. “Não quer dizer que não venham a encaixar na próxima. Não sejam bebezinhos mimados, Calimero, tipo ‘Ah, ele não gosta de mim!’. A colecção é que manda.”