© Armando Franca/AP
Cavaco Silva é um político sábio, batido, e um homem inteligente. Quando ainda António José Seguro era líder do PS e houve a crise do “irrevogável” gerada por Portas, o Presidente ofereceu a hipótese de eleições antecipadas em troca de um conjunto de compromissos mínimos por parte de PSD, CDS e PS para garantir a governabilidade.
A crise foi ultrapassada, mas desde então, sempre que falou, Cavaco chamou a atenção para a necessidade de os partidos não extremarem posições porque haveria um momento em que teriam de se entender, em nome do que no tempo da outra senhora se chamaria os superiores interesses da nação.
Sábia profecia. Tão simples e tão óbvia, mas que alguns não queriam ver, ao ponto de acharem possível que a actual maioria renovasse a sua supremacia parlamentar absoluta até duas horas depois de as urnas fecharem no domingo passado. Ora tratava-se de uma impossibilidade objectiva, tal como o é a quadratura do círculo.
Agora chegou a hora. E não se pense que é só para os três partidos do costume (PSD, PS e CDS). Não. Desta vez toca a todos. Isto porque tanto à esquerda como à direita há geometrias políticas variáveis que permitem soluções, o que não impede que se diga que o que os portugueses estavam a escolher era se queriam Passos ou Costa para chefe do governo. E o resultado foi inequívoco. Optaram pelo líder do PSD, que deverá ser indicado como primeiro--ministro (na altura em que se escreve este artigo ainda se aguarda o discurso do Presidente).
Simplesmente, agora terá de ser um Passos e um governo diferente. Os portugueses já não têm que ser defendidos do liberalismo frenético do governo pelo Tribunal Constitucional. Passaram a ter no parlamento quem desempenhe esse papel, começando no PS e indo até ao PAN. Já não pode haver abusos nem negócios incompreensíveis. Não se poderão vender empresas do Estado pela calada da noite sem que os contratos se tornem públicos.
Não se poderão tomar medidas de resolução que fecham bancos em conselhos de ministros feitos por email e com o primeiro-ministro a banhos. Os direitos dos pensionistas e dos que descontaram terão de ser respeitados. Não pode haver um milhão de pessoas sem médicos de família. O fundo de desemprego também deve voltar para montantes iguais aos que existiam.
O Estado terá de voltar a ter quadros competentes, não se podendo aceitar permanentemente que leis e pareceres sejam feitos em gabinetes de advogados e consultores.
No governo futuro espera-se que sejam integrados políticos experientes, dialogantes, e não um grupo meio experimentalista cheio de uma espécie de extraterrestres como os célebres Gaspar e Álvaro, que iam rebentando com o país por total e completo desconhecimento da sua génese. Também não pode haver lugar para tirocinantes da política que cresceram para a vida nos ministérios que lhes foram entregues.
Agora é tempo de ter um governo competente, dialogante, capaz de defender Portugal nas instâncias europeias, em vez de ser um cata-vento às ordens de Bruxelas. Se assim não for, será legítimo que dentro de algum tempo (provavelmente ainda com Costa, que se manterá) o PS assuma uma ruptura e chame os portugueses às urnas ou, no limite, tente uma coligação com o Bloco de Esquerda, mesmo que condenada ao fracasso, mas servindo para que não seja o governo de um Passos vitimizado a chegar às eleições.
Há, entretanto, um ponto que interessa ver antes de fechar cenários. Falta apurar os quatro mandatos da emigração. Convém referir que se recensearam ao todo mais 47 mil eleitores num universo de cerca de 240 mil. Dali pode vir uma pequena surpresa, embora pareça manifesto que houve uma estratégia para desmotivar a ida às urnas e manter o statu quo.
Marcelo à primeira, mas com quem na sua campanha? Todas as sondagens permitem concluir que Marcelo Rebelo de Sousa será eleito Presidente à primeira volta, mesmo que Rui Rio, Maria de Belém e Sampaio da Nóvoa se apresentem todos.
É de apostar singelo contra dobrado que brevemente teremos o professor instalado em Belém, ainda por cima com uma situação política em que a sua conhecida experiência e hiperactividade será de rara utilidade não só internamente, mas também para explicar ao mundo a nossa conjuntura e o nosso potencial como destino para investimentos, pois um Presidente também pode ter uma faceta de Oliveira Figueira.
Mas se, como tudo aconselha face às sondagens, Rio não avançar, Marcelo pode até ambicionar ser eleito à primeira volta com patamares de cerca de 70%, o que seria digno de uma típica reeleição presidencial portuguesa.
Por isso, nas presidenciais, o que terá interesse é saber quem vai rodear Marcelo. Quem será o mandatário nacional?
Quem estará na comissão de honra? Quem estará na direcção da campanha? Que haverá surpresas por certas presenças e certas ausências, não há dúvida. Aceitam-se apostas, isto se Santana Lopes não optar por fazer do tema mais um jogo da Santa Casa, que tem gerido com sucesso e sabedoria.
Jornalista
Director da Newshold
Escreve à quarta-feira