José Vilhena. O incorrigível cartoonista que pôs um mundo a rir

José Vilhena. O incorrigível cartoonista que pôs um mundo a rir


Autor e editor das revistas “O Moralista” e “Gaiola Aberta”, marcou o humor em Portugal antes e depois do 25 de Abril. Morreu este sábado, em Lisboa, aos 88 anos.


Cartoonista é a palavra usada para sintetizar um génio que dominou na sua arte de fazer humor, a escrita, o desenho, a ilustração, a pintura, a fotografia e a fotomontagem. José Vilhena, ou Vilhena como ficou conhecido, satirizou a realidade portuguesa, atravessando a ditadura e documentando o pós-25 de Abril e os primeiros anos da democracia. 
A tradição de Gil Vicente, Bocage ou Bordalo Pinheiro são apontadas como herança de uma obra que funcionou como uma crónica dos tempos, fosse pela via da crítica de costumes, pela sátira política ou apontada à Igreja, ou pelo seu olhar sobre o erotismo e a mulher.

Tal como o seu trabalho, também José Vilhena viu a sua vida atravessada pelas circunstâncias ditadas pelos passar das décadas. Autor de cartoons para jornais como o “Diário de Lisboa” e co-fundador de “O Mundo Ri”, em 1955, viu censurados, a partir da década de 60, alguns dos livros da série de bolso, que escrevia, ilustrava, editava e distribuía. Uma colecção da qual faziam parte mais de 70 obras, 56 da sua autoria. Foi preso três vezes pela PIDE e revelou, numa entrevista ao “CM”, em 2003, que “sabia que, quando o livro saísse, não podia ficar em casa, pois no dia seguinte era quase certo que fossem lá bater à porta […]. Fazia a mala e ia para um motel na marginal de Cascais, com vista para o mar e tudo, do qual saía ao fim de uma semana, pois a partir daí já não havia problemas em regressar”. Os adjectivos que um inspector da PIDE usou no seu parecer a propósito da colectânea, “Humor Parisiense”, que Vilhena editou em 1965, viriam a ser recuperados recentemente para designar o site que lhe foi dedicado pelo sobrinho, Luís Vilhena.

O incorrígivel e manhoso Vilhena”, assim se lê no relatório do agente da PIDE Joaquim Palhares e assim fica a expressão para definir o cartoonista, que, de facto, era incorrígivel e talvez  se tivesse socorrido de algumas manhas para contornar o regime de Salazar.

Além dos livros que conseguia muitas vezes fazer passar à socapa, foi também responsável por introduzir no país autores estrangeiros como Alphonse Allais, Alvaro de Laiglesia, Guy de Maupassant, Goscinny, Gogol, através da editora “Branco e Negro”.

Com a revolução, os “alvos” passaram a ser outros. No mês a seguir ao 25 de Abril saía a revista quinzenal “Gaiola Aberta”, com o general Spínola na capa, acompanhado de Camões e dos  versos de “Os Lusíadas” a servir de legenda. Acompanhando os primeiros momentos da democracia recém-conquistada, tentava seguir a tendência de publicações humorísticas estrangeiras, como a “El Jueves”, de Espanha, “Le Cannard Enchaîné”, de França, ou  a “Mad” dos Estados Unidos da América. E apesar da limitação de meios – ainda que Vilhena usasse tudo o que tinha ao seu alcance, passando as várias fases do processo por si –, a primeira série da revista durou nove anos, altura em que cessou devido a um processo movido pela princesa Carolina doMónaco. Mas o incorrigível Vilhena continuaria a fazer o seu humor, criando e editando outras publicações do género, como “O Fala Barato”, “O Cavaco”, “O Moralista” e a segunda série da "Gaiola Aberta”.

Em 2006, a doença de Alzheimer pôs um ponto final na actividade do cartoonista, que passou a viver numa casa de repouso. Morreu no sábado, aos 88 anos.