Pedro Henrique. “Seria uma honra levar a bandeira portuguesa  no tour”

Pedro Henrique. “Seria uma honra levar a bandeira portuguesa no tour”


Há quatro anos trocou o Rio de Janeiro por Portugal. Começou recentemente a competir com as cores nacionais e já venceu um título importante. Aos 22 anos esteve na elite do surf mundial e agora quer repetir o feito.


O sotaque canarinho denuncia imediatamente as suas origens. Mas isso pouco importa quando entra para a água. O surfista de 31 anos está a ter um ano em grande e pode tornar-se o segundo português a chegar à elite mundial, depois de Tiago Pires. É que entretanto Pedro Henrique conseguiu nacionalidade portuguesa e quase de imediato venceu o título europeu do QS, em Marrocos, já com as iniciais PRT (em vez de BRA) após o seu nome. Oseu 22.o lugar no ranking abre boas perspectivas para um feito que até já alcançou em jovem, quando correu o CTaos 22 anos pelo Brasil.

Cá, valoriza a tranquilidade e as ondas. A irmã, mais nova, já é campeã nacional junior. Otalento corre-lhes nas veias. É que além de competir ao mais alto nível no surf, Pedro foi campeão mundial de kitesurf há dois anos e continua a disputar o título. Aproveitámos a sua presença no Allianz Billabong Cascais Pro, que não lhe correu nada bem, para saber mais sobre a sua carreira e as razões de se ter mudado para o nosso país.

Para quem não te conhece, há quanto tempo estás em Portugal e como tem sido a tua carreira no surf?
Estou cá há pouco mais de quatro anos. A minha carreira começou cedo, venho de uma família de surf, o meu pai é surfista e comecei a competir muito cedo, aos 12 anos. Com 18 anos estava no mundial junior, fui campeão, depois passei para o QS e consegui classificar-me para o CT em 2005. Basicamente mudámos para Portugal, a minha família (os avós) também é portuguesa. Agora estar cá e poder representar Portugal é uma honra, fico muito contente.

O surf foi decisivo na decisão de mudança para Portugal?
O surf não. Nós mudámos porque queríamos uma vida mais tranquila. Somos do Rio de Janeiro e a cidade está a crescer muito. Aqui temos uma qualidade de vida melhor, queríamos dar uma vida mais tranquila aos nossos filhos, esse foi o factor principal. Depois, sabia que aqui tem altas ondas, que tinha condições para treinar, estar bem, e fazer os campeonatos. Uma coisa juntou-se à outra.

Como foi estares no CT ainda muito jovem?
Foi uma experiência nova. Acho que quanto mais novo fazes o CT, mais difícil é. O campeonato tem muito peso, tens de ter muita experiência nas diferentes condições e locais. São ondas com características fortes, tens de saber que prancha usar, como te posicionar, que ondas escolher. Foi uma experiência muito boa, mas ao mesmo tempo foi um ano muito difícil, de aprendizagem. Acho que a lição que tiro dali é que cresci muito. Poder competir com os melhores do mundo, elevar o nível e a performance de uma maneira assim só nos faz crescer.

O surf evoluiu muito desde então. Achas que correr hoje o CT, ou mesmo o QS, é mais difícil do que em 2005?
São fases diferentes. A dificuldade é a mesma, em termos de competição, mas a performance mudou. A maneira de jogar mudou, hoje em dia o surf é muito mais progressivo do que na época. Lembro-me na altura de algumas baterias em que dava bons aéreos, a rodar, e não tirava pontuações tão altas como hoje em dia. A maneira como os juízes pontuam agora faz com que tenhamos uma performance melhor e por isso o surf está a evoluir tanto. Em termos de dificuldade, acho que é igual. 

Conquistaste o título europeu do QS em Marrocos, por Portugal. Já sentes que tens mais apoio cá?
Sem dúvida, os apoios que tenho recebido são incríveis. Estou super contente com todas as mensagens que tenho recebido, e isso só me motiva mais. Fiquei muito feliz de trazer de volta para Portugal um título importante na Europa, na WSL. Acho que só me traz mais motivação para trabalhar bastante e conquistar a vaga no CT novamente.

E nas competições em Portugal, já ouves mais aplausos do público?
Isso é uma coisa que acho que vai levar mais tempo. Tenho todo o suporte necessário para ir bem, é só uma questão de me focar etapa a etapa, resultado a resultado, que as coisas vão acontecer. Espero trazer mais alegrias para o público que está sempre a torcer por nós, não só eu como todos os atletas que levam a bandeira de Portugal, estamos sempre a batalhar para trazer bons títulos. 

Só o Tiago Pires conseguiu chegar ao CT. Se voltares lá, com as cores de Portugal, teria uma importância maior, devido a já haver muitos brasileiros no circuito?
Sem dúvida que me vou sentir muito honrado de poder levar a bandeira portuguesa para o CT. Sei que não é uma tarefa fácil, tenho bons resultados, mas ainda falta. Tenho de trabalhar e dedicar-me para conseguir. Acho que é possível, está muito próximo, estou focado nisso desde o ano passado. Muita gente vê os bons resultados agora, mas não imagina que o trabalho já vem desde há muito tempo, mais ou menos há um ano e meio que venho a trabalhar para conseguir os pontos no QS para ir aos Primes e agora estar a lutar por uma vaga no CT. Poder voltar à elite, por Portugal, vai ser uma fase totalmente diferente para mim, totalmente nova. Talvez tenha mais importância do que ser mais um brasileiro no circuito. Como disseste, entram sempre muitos brasileiros. Para mim vai ser muito mais gratificante poder entrar por Portugal e fazer uma coisa realmente grande do que ser mais um brasileiro lá. 

Ainda continuas a competir no mundial de kitesurf?
Estou focado só no QS, até porque a dificuldade de conseguir bons resultados no surf é muito maior. Preciso de ter mais tempo para trabalhar nisso. Mas ainda continuo a competir no kite, a ter patrocínios, mas o circuito não tem tanta importância nem tantas etapas. Como não é tão puxado, dá para conciliar as coisas. No futuro não sei, se entrar no CT provavelmente vou deixar de competir no kite porque o tempo vai ser totalmente para o surf, até porque sei que tenho de evoluir muito.

O que tens conseguido no kite, e como é possível estar ao mais alto nível nas duas modalidades?
Nos últimos três anos tive bons resultados. Fui campeão mundial em 2013, vice-campeão no ano passado e agora estou novamente em segundo. Este ano só fui a uma etapa e não estou tão bem na competição. Basicamente é o mesmo, a maneira como surfas e como fazes kite, se eu estiver bem fisicamente, com um nível de surf bom, vai-se reflectir da mesma forma no kite.

Voltando ao surf, também tens uma irmã com potencial…
A minha irmã, a Carol Henrique, tem competido este ano por Portugal. Tem-se destacado, foi campeã nacional junior, lutou pelo titulo europeu até ao final, tem feito os QS para tentar uma vaga no CT. Ainda é muito nova, tem tempo para treinar e evoluir, mas está no caminho certo. Acho que só depende dela, e aqui temos todo o apoio necessário em tudo para evoluir bastante: treino, ondas, equipamento.

Li que o teu pai é shaper.
Sim, ele faz pranchas, apesar de eu nunca ter usado pranchas dele (risos)

Porquê? 
Ele mora no Sul do Brasil, eu estou cá. Mesmo quando estava lá, eu morava no Rio, não é muito próximo. Calhou nunca ter usado as pranchas dele, mas ainda vai haver oportunidade. 

Como olhas para a nova geração portuguesa, achas que teremos algum deles em breve no CT?
Acho que sim. É só questão de trabalhar e de concentrar. Nunca foi fácil, isto não é um desporto simples. Por exemplo, no skate, a pista está lá e só dependes da tua performance. Aqui temos um monte de variáveis e o mar é a principal delas. Nem sempre as coisas dão certo, a questão é continuar perseverante no trabalho que se faz e o resultado vem. Acho que a nova geração tem tudo para conquistar esses lugares no CT. Todos surfam muito bem, são super competitivos, têm estrutura de apoio. Agora é continuar.

O que aprendeste nestes dez anos que possas aplicar no CT, caso consigas voltar a qualificar-te?
Muita coisa. Acho que a experiência é o que conta mais no surf de competição. O que é mais complicado é lidar com as vitórias e derrotas, acho que a experiência e o tempo de competição ajudam bastante a lidar com isso tudo. Se no QS já é complicado, viajamos muito, temos pressão das competições, no CT é muito mais. Acho que hoje em dia tenho muito mais condições para me dar bem no circuito. Fora isso, tenho mais apoios. Trabalho com um treinador, o Renan Rocha, ex-top do CT há 16 anos, que sabe tudo, como gerir a carreira e as situações durante o tour. Tenho também a preparação física com o João Moisés, tenho as pranchas ao redor do mundo através da Polen. Tenho toda uma estrutura para realmente me dar bem, isso não acontecia quando entrei em 2005.