A língua portuguesa é muito traiçoeira, ai valha-me Deus. Felizmente há um “académico independente especialista em linguística portuguesa” que não tem dúvida nenhuma de que José Mourinho não chamou “Filha da P..a” à Doutora Eva Carneiro, a médica que entrou em campo para acudir um futebolista quando o Chelsea já só tinha só nove jogadores em campo.
O entendido veio esclarecer a Federação Inglesa de Futebol (FA) que o treinador se limitou a explodir um “Filho da…”, no masculino, ou não se dirigisse aos Deuses do Olímpio, e não à senhora que lhe veio estragar o dia.
Quanto ao “Vai para o c…..o!”, que tão claramente percebe mesmo quem não é nem especialista em leitura de lábios nem em linguagem gestual, o anónimo académico não comenta, provavelmente porque considera a expressão consentâneo com qualquer contrariedade, ainda para mais causada por uma mulher, carago! Já o “lip-reader” do Sportsmail faz uma tradução ligeiramente diferente.
Diz que é “daughter of a whore”, que Mourinho diz, e também “Hey, Hey, get off the pitch now. Fucking hell” (ah, isto em inglês até soa a filme do Rambo).
O próprio Mourinho recusa o uso de qualquer termo sexista, mas na conferência de imprensa posterior, fez melhor: disse que ela era incompetente, ingénua, precipitada, e que não percebia nada de futebol, que é, por acaso, onde exerce a profissão há uma década. Assumiu que a tirava do banco. Depois as coisas terão azedado, e no final Eva Carneiro abandonou o clube.
As reacções não se fizeram esperar. David Squires, do “The Guardian”, caricaturou Abramovich a ler o relatório e a sorrir: “Muito bem, que disparate, como podia ser sexista se é casado, e a mulher lhe deu, por acaso biológico, uma filha?!?”
A associação de futebol feminino considerou que era um sinal negativo para todas as mulheres e vários cronistas escreveram contra a devassa da vida de Eva Carneiro, enquanto a do fisioterapeuta que a acompanhava se manteve intocada. A médica não deve ter estranhado, afinal é frequente ouvir as claques gritar “Tira os peitos para os rapazes verem”, a mais suave das cantilenas.
Mas história séria à parte, enche-me de curiosidade saber quem foi o linguista português requisitado como especialista. Terá sido Alberto João Jardim? É lhe conhecido um parecer em que utiliza termos muito semelhantes ao deste diálogo nas quatro linhas: “Há aqui uns bastardos na comunicação social do Continente – eu digo bastardos, para não ter de lhes chamar filhos da puta!” Mas pensando melhor talvez a AF tenha preferido alguém mais ligado ao futebol, e nesse caso ocorre-me Valentim Loureiro.
Suspeita-se que não só terá desvalorizado os insultos, como talvez até tenha perguntado aos congéneres britânicos: “Mas expliquem lá, o tipo disse-lhe que gajas, só descascadas ou a murro!?!” Contudo, o termo “académico”, não faz o perfil. Decididamente, académico só pode ter sido Jorge de Jesus.
Imagine os “bifes” sentados a ouvi-lo debitar sobre o sucedido: “Na minha profissão, a minha especialidade de treinador é uma área que o conhecimento dela envolve, muitas vezes, questões científicas. É verdade que passa por várias áreas, mas temos, hoje em dia, uma profissão onde tu tens de ser criativo.” Para acrescentar, piscando o olho aos compadres, “Isso é ‘piners’ para nós”.
Infelizmente, talvez a AF se tenha limitado a fazer um Google e a encontrar o tristemente famoso acórdão do STJ, em que quatro juízes, por unanimidade, escreveram a propósito da violação de duas jovens turistas: “Não podemos esquecer que as duas ofendidas (…), não hesitaram em vir para a estrada pedir boleia a quem passava, em plena coutada do chamado ‘macho ibérico’”.
Porque, no fundo, no fundo a filosofia de base parece a mesma: as mulheres metem-se onde não devem e depois queixam-se!
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É até agora o resultado da disputa entre o treinador do Chelsea e a médica do clube, entretanto dispensada.
Jornalista e escritora
Escreve ao sábado