Hoje reflecte-se o que queremos para o país. Hoje e apenas hoje. Até hoje, durante os 1460 dias que antecedem o dia de reflexão, não reflectimos – Vamos andando… como diz a Sra. Rosa à porta da padaria entre dois dedos de conversa e o queixume da escassa pensão que levanta na estação dos correios.
Hoje fazemos tudo normalmente a única diferença é que reflectimos. Isoladamente de preferência, sem incomodar à nossa volta, sem nos intrometermos na reflexão alheia, como faz o Sr. Joaquim, outrora funcionário da Administração Pública e que, em reflexão, conta os trocos para comprar 2 ou 3 carapaus na praça da Ribeira. Hoje colocamos aquele ar profundo e circunspecto de quem reflecte, ponderadamente o que vai escolher para os próximos 1460 dias. Algo semelhante ao exercício matinal da escolha da indumentária: quero impressionar ou – que se lixe, ninguém vai reparar mesmo!
Hoje, em dia de reflexão, vou sair à rua e observar os “reflectores”. Vou perceber se efectivamente reflectem ou apenas aparentam fazê-lo. Parece que o dia de reflexão em Portugal nasce com o início do regime democrático, o que há 40 anos atrás até poderia fazer sentido, mas hoje? Tenho dúvidas. Até porque hoje a informação, outrora limitada, está em todo o lado.
Mas gosto do dia de reflexão. Excelente seria ligar o dia de reflexão a um feriado. Isso é que era bestial, mas nos últimos 4 anos, os feriados, tornaram-se escassos. Mas ainda assim – eu cá gosto! Acalma a histeria da campanha, as acusações desenfreadas e as promessas descabidas. A exaltação dos candidatos nos comícios de encerramento contrasta com as pacatas passeatas com a família e amigos. E quando indagados respondem: “Estou tranquilo, hoje é dia de reflexão. Vim aproveitar para descansar e estar com a família.” – Um clássico! Por isso hoje reflectimos inspiramos o ar da rua e esperamos que qualquer dúvida resistente se dissipe por meio deste complexo processo a que damos o nome de “Dia de Reflexão”. Eu cá já reflecti, tal como contínuo a reflectir os restantes dias que intercalam com dias de reflexão. Exorto-vos a continuarem este exercício de reflexão e a não passar a responsabilidade amanhã. É que até à próxima reflexão vai faltar um bom bocado.
Escreve ao sábado