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Num determinado momento da história das então Comunidades Europeias era atribuído um valor anual ao proprietário de determinadas espécies apoiadas pela política agrícola comum (PAC). No caso das ovelhas, bastava ao proprietário declarar o número de animais e aguardar pela chegada do cheque.
O sistema pressupunha a honestidade dos declarantes e baseava-se na dificuldade de controlar, na Europa dos 12, a existência de todos os animaizinhos subsidiados pelos dinheiros comunitários. Evidentemente, o sistema prestava-se a abusos e também em Portugal se assistiu, nalgumas explorações agrícolas, ao milagre da multiplicação das ovelhas.
Umas almas diligentes na Comissão Europeia decidiram enviar para os vários países inspectores que pudessem atestar a existência dos ovinos. Ao Alentejo chegou uma alma nórdica e calvinista exigindo ver os vários rebanhos de ovelhas. À época, os IP e as auto-estradas, ao contrário das ovelhas, não tinham proliferado.
O funcionário comunitário foi metido num jipe e passeado por barrancos e vaus de ribeiras, duas horas de cada vez, e apresentado a nutridos rebanhos de ovelhas. Contados os animais, o jipe repartia e, numa época em que também o GPS não se tinha vulgarizado, regressava por diferentes barrancos ao rebanho inicial onde o pobre discípulo de Calvino, com dores nas cruzes, se apressava a (re)contar os mesmos ovinos.
Duas semanas de agonia depois, o diligente funcionário regressava a Bruxelas para atestar a veracidade das nutridas declarações relativas à existência de ovelhas no sul de Portugal.
A PAC, ao contrário do PAN, não limita os seus afectos aos animais. Também as árvores de fruto mereceram o seu subsídio. E também existiu um subsídio pago por cada oliveira. As declarações “aditivadas” floresceram até que um iluminado funcionário se lembrou de utilizar as imagens obtidas por satélite para demonstrar que muitos olivais só existiam nas declarações. Algures na Grécia floresceu então o comércio de oliveiras de cartão, mais baratas dos que as verdadeiras, e capazes de posarem com sucesso para as fotografias por satélite.
Por estes dias temos tido notícia das façanhas do empreendedorismo da indústria automóvel alemã, capaz de aldrabar os consumidores (que julgam adquirir veículos com baixas emissões e baixos consumos), os Estados (que subsidiam a produção e compra de tais veículos e por eles cobram menos impostos) e os restantes construtores (que perderam quota de mercado).
Não quero seguir pelo caminho fácil do relativismo moral (se todos são culpados, ninguém é culpado) nem pela via da Schadenfreude, essa maravilha da língua alemã que criou um conceito novo pela simples junção de dois substantivos.
Sendo a natureza humana o que é, a superioridade moral na regulação do capitalismo não está na ética protestante ou na sua versão católica, está na qualidade das instituições e na sua capacidade de contrariarem a natureza humana. E a dimensão da falha das instituições é, para esta geração de alemães, a grande e terrível novidade.
Um conselho amigo e gratuito: apressem-se a acusar e a prender todos os que, pelas bandas da Volkswagen e zonas limítrofes, praticaram actos criminosos. As prisões americanas não são tão fiáveis quanto um Volkswagen.
Escreve à sexta-feira