© Miguel A. Lopes/Lusa
A política é a arte do possível, mas há que dizer que é também a do encobrimento, da dissimulação e, muitas vezes, da mentira descarada.
Pouco tempo depois de a democracia ter sido instituída em Portugal, política, demagogia e mentira tornaram-se sinónimos para boa parte dos cidadãos, que foram fazendo da classe dirigente a pior das ideias.
E, se formos ver, com razão. Para não ir mais longe, basta recuar aos nossos dois últimos executivos. Sócrates era um mitómano que governava através de anúncios falsos, manipulação, fantasias e, quantas vezes, obras inúteis altamente convenientes para grupos económicos amigos (dele, pelos vistos) de sectores bem concretos. Resultado: durante dezenas de anos vamos pagar as PPP que nos arruínam.
Seguiu-se Passos Coelho, que dedicou um mandato de quatro anos e meio a fazer o contrário do prometido, apesar de, já na altura da campanha que o elegeu, ser óbvio que não tinha condições para cumprir com a palavra dada. É, aliás, oportuno recordar que, antes de chegar a primeiro-ministro, Passos Coelho se colou às opções económicas de Sócrates com o intuito de apear Manuela Ferreira Leite, o que só seria possível se esta perdesse as legislativas, como de facto aconteceu, apesar de estar cheia de razão, como constatamos.
Dada a conjuntura concreta e o choque de austeridade que o país sofreu, hoje em dia, as promessas de amanhãs que cantam são mais difíceis de fazer engolir à população, mas sobram “inverdades”, omissões, manipulações de estatísticas, de números e de verbas. Em sucessivos exercícios de sonsice, a classe política no seu todo foge aos temas que incomodam cada um. Da extrema--direita à extrema-esquerda, não escapa ninguém, mas é nos que se sentam no parlamento que o fenómeno ganha maior dimensão. E quanto maiores, pior.
O caso mais flagrante tem a ver com a Segurança Social. Ninguém explica ao que vem. Todos ganham tempo ou mentem, em vez de avançarem com propostas claras que defendam os direitos de quem contribuiu, esteja ou não na reforma.
O segundo caso prende-se com a política de alianças pós-eleitorais. Numa altura em que as sondagens persistem em dizer que não haverá maioria absoluta (embora a coligação esteja supostamente a evoluir para um patamar que torna esse desiderato ainda possível), como entender que, no discurso público, os arranjos, coligações e acordos pós-eleições não sejam explicados por cada um dos partidos, do maior ao mais pequeno, independentemente de estarem coligados? Afinal, o que pensa cada um autonomamente, nomeadamente o CDS ou os Verdes? Que vida têm para além de 4 de Outubro?
Exactamente por estarmos numa situação em que um ou dois lugares de deputado podem ser decisivos, seria essencial que cada um explicasse o que, tendencialmente, faria num quadro sem maioria absoluta. António Costa disse alguma coisa sobre a não viabilização de um governo da direita, mas não explicou as alternativas que proporia, enquanto os partidos à esquerda do PS, salvo o Livre, continuam na senda de ser apenas aglutinadores de descontentamento.
Por outro lado, nenhum partido tem a coragem de anunciar de antemão os nomes e as pastas que gostaria de ver em áreas nevrálgicas como a Saúde, as Finanças, a Segurança Social ou a Educação.
Dir-se-á que estas sombras todas integram o jogo da politica. Talvez. Mas é mau. Porque a falta de clarificação prévia transforma definitivamente os passos pós-eleitorais num jogo de influências de secretaria, de interesses, e já não de ideias.
Seria, portanto, positivo que cada partido proclamasse os princípios de que nunca abdicará e os aspectos em que está disposto a negociar, mesmo no caso de as eleições imporem uma mudança de liderança, pois nas organizações políticas há questões ideológicas que nunca deveriam ser questionadas, independentemente do chefe de circunstância.
COLINHO POLÍTICO
Desde há muito que quem segue minimamente a actualidade notou que Catarina Martins tem grandes qualidades políticas e tribunícias. Em todos os debates quinzenais do parlamento causou fortes engulhos a Passos Coelho. Chegou até a esmagá-lo dialecticamente. É, portanto, estranho dizer-se que Catarina é a grande surpresa. Mas é isso mesmo que proclamam sistematicamente os comentadores mais próximos da maioria. Et pour cause: quanto mais votos no Bloco, menos no PS do desajeitado António Costa. É o que se chama gato escondido com o rabo de fora. Isto independentemente do mérito que, indiscutivelmente, a líder do BE tem. Como sempre teve.´
Jornalista
Director da Newshold
Escreve à quarta-feira