A família veio do Ribatejo para o Algarve nos anos trinta. Carrega no nome os apelidos de duas figuras históricas célebres: André Masséna, Duque de Rivoli e Príncipe d´Essling, o general que liderou a 3ª invasão francesa a Portugal, e Gago Coutinho, o almirante português que realizou com Sacadura Cabral a 1ª travessia aérea do Atlântico Sul.
Aos 77 anos, este homem calmo e afável, ainda muito activo, dedica-se à plantação de árvores raras em viveiro. A idade não fez o engenheiro reformado perder o porte altivo. O i falou com o descendente de Masséna na ilha de Tavira.
Há 205 anos, durante a sua campanha militar em Portugal, o general francês, provavelmente numa pausa do seu longo cerco de meses, conhecido como grande galanteador, envolveu-se com uma condessa da nobreza portuguesa que provavelmente não conseguiu ou não foi escolhida para o exílio no Brasil com a corte.
Masséna foi derrotado, mas deixou semente em solo lusitano. Ainda hoje existem alguns descendentes do grande marechal de França em várias partes do país.
José Modesto Massena Gago nasceu em Junho de 1938, no dia de São Modesto e confessa: “Sou mesmo modesto e tímido. Quem olha para mim não dá valor ao que faço… Sou muito calado, mas muito observador. Só depois de verem o que faço é que tiram o chapéu”.
Ao i recordou a altura em que a curiosidade espicaçou a sua vontade de conhecer a origem estranha do seu sobrenome.
“O meu tio José Inácio Massena contou-me muitas coisas do Massena. Fazia-me muita confusão o porquê do nome Massena existir na Luz (de Tavira). Tinha doze ou 13 anos e ouvia sempre aquelas histórias de família. Um dia, já depois de reformado dirigi-me ao prior e pedi-lhe o livro de registos de casamento e baptismo. Descobri que um antepassado meu tinha vindo do Ribatejo e que se tinha casado com uma algarvia na Luz”, conta com enorme lucidez.
“O pai do meu avô faleceu novo quando ele tinha aproximadamente uns 12 anos. Ele contava muitas histórias sobre o Masséna. Um dia – relembra – apareceu-lhe um indivíduo francês que se chamava Ernest Masséna. Ia à procura do meu avô. Essa história não sei explicar com detalhes. Sei apenas que o Masséna francês queria levar o meu avô para Nice, mas que ele se recusou a ir”.
Massena Gago reconhece que lhe deu muito trabalho conhecer a história toda. O nome da portuguesa com quem o seu famoso antepassado se envolveu e de quem teve descendência não aparece nos registos para preservar a sua respeitabilidade. Afinal tinha sido amante de um oficial francês durante uma invasão.
Nos registos só aparece o nome do pai, André Masséna, o general gaulês. A senhora chamava-se Teresa de Carvalho e era Condessa de Condeixa, o que ao i não foi possível comprovar pela genealogia disponível.
“O meu tetravô só queria bonecas”, exclama com ar malandro para retractar a imagem de galanteador do ilustre general gaulês.
O exército que Masséna comandava em 1810 foi o mais numeroso das três invasões francesas de Portugal. Contava com um efectivo total de 65 050 homens. Na Batalha do Buçaco, travada a 27 de Setembro de 1810, os franceses foram repelidos e sofreram quase cinco mil mortos. Depois da batalha, contornaram a posição por norte, enquanto os aliados retiravam em direcção a Coimbra, antes que as tropas francesas se colocassem à sua retaguarda. O exército aliado ao retirar levava a maior parte da população das regiões em que iria passar o inimigo. As propriedades agrícolas eram abandonadas e os bens que podiam servir aos franceses foram destruídos.
“Chegou a estar a 15 km de Lisboa, mas não tinha tropas suficientes para enfrentar o exército anglo-luso”, diz com nítida admiração pela perícia militar do seu antepassado.
Masséna retirou para a fronteira espanhola, o que teria levado Napoleão Bonaparte a comentar sarcástico: “Então Príncipe de Essling, já não é Masséna!”.
Quase dois séculos depois, em 2007, Massena Gago decidiu fazer uma visita ao tetravô, em Paris, e foi dar ao cemitério de Père Lachaise para ver a campa do seu familiar.
“É uma espécie de pirâmide. A rua do cemitério é muito grande e até andam lá automóveis”, sublinha, acrescentando: “Fazia-me confusão a razão pela qual ele estava sepultado em Paris e não em Nice. Depois, explicaram-me que os generais eram sepultados na capital”, recorda.
“Paris está cheio de ruas, praças, liceus e estátuas do Masséna”, acrescenta ainda. “Quando cheguei a Paris fui directamente ao cemitério. No Boulevard onde havia várias placas do Masséna passei ao pé de uma farmácia que se chamava Masséna. Perguntei ao farmacêutico se a farmácia era da família Masséna. Ele disse-me que não e que o nome se devia ao boulevard”, conta.
“Eu disse-lhe que também era ‘Masséna’ e o farmacêutico pôs-se em sentido. Deve ter achado que era algum militar de alta patente”, diz a sorrir.
“Você não diga que é português. Diga que é italiano”, foi aconselhado. “Eu disse-lhe que não havia problema nenhum porque o Masséna era realmente italiano, já que Nice nessa altura pertencia à Itália”, prossegue.
O velho senhor diz que ainda há vários indivíduos em Portugal com o sobrenome Massena. “Há um advogado e um arquitecto no Porto. E há um Rui Massena que é filho desse arquitecto. São todos oriundos do Ribatejo e Castelo de Vide”, adianta.
Sobre o outro antepassado histórico, Gago Coutinho, explica que era primo direito da sua avó. “Uma das conversas da minha avó, que era de Santa Catarina, no concelho de Tavira, e ele da Mesquita, a cinco ou seis quilómetros (hoje São Brás de Alportel), era que o pai do Gago Coutinho não era assim lá muito certo… e arranjou uma senhora que era a mãe do futuro aviador, mas que morreu quando ele tinha dois ou três anos”.
Massena Gago diz que o pai do Gago Coutinho andava sempre em Luanda e que quem começou depois a cuidar dele e a amamentá-lo foi uma senhora negra que o pai tinha trazido de Angola.
“Essa senhora regressou depois com o pai do Gago Coutinho a Angola e o jovem Gago Coutinho foi entregue a uma senhora abastada que vivia em Lisboa e que o meteu na escola e mais tarde na Marinha”, diz, repetindo a história que corria na família.
Com admiração diz que o seu antepassado era especializado em geologia e topografia e que fez os levantamentos das fronteiras de Angola, Moçambique e de Timor. “O sextante moderno também é uma adaptação sua”, afirma com uma pontinha de orgulho.
“Eu só vi o Gago Coutinho uma vez. Ele mandou o chauffeur buscar-me ao internato onde estava para ir almoçar com ele”, afirma, sublinhando: “Lembro-me bem. Levaram-me para o quartel para almoçar com o comandante. Quando lá cheguei já lá estava o meu pai e o Gago Coutinho”.
“O Gago Coutinho era pequenino e magrinho e grande conversador. Naquela hora do almoço fartou-se falar. Andava à paisana. Já era um homem de quase oitenta anos”, diz.
Massena Gago não herdou aparentemente nenhuma das qualidades militares dos antepassados. Nem sequer fez tropa e nunca envergou uma farda, excepto, diz, a da Mocidade Portuguesa… (obrigatória à época).
Inquirido sobre se está satisfeito com a vida que teve, reconhece que já deve ter poucos mais anos de vida. “Acho que não cheguei a ver tudo o que queria. Há qualquer coisa que me falta. Mas estou sempre em acção…Nunca estou sentado. Se calhar porque tenho saúde, sei lá…”, diz com vivacidade.
“Lamento não ter seguido a carreira de cientista. Gosto muito do espaço… Como é que isto tudo apareceu? Sou polivalente. Não me dediquei a uma carreira. Faço fotografia, engenharia, sou agricultor…”, afirma, acentuando: “Gostei muito de ter nascido”.
Irrequieto e activo, continua a trabalhar e há três anos tirou o curso contra incêndios, segurança, saúde e higiene.
“Era o mais velho. Sabe quanto apanhei? 20 valores!”, afirma com indisfarçável orgulho.
Puxando a brasa à sua actual actividade de agricultor diz repentinamente: “Só não gosto muito é do Paulo Portas. Andava a bater nas costas dos agricultores, meteu-se no governo e não cumpriu nada do que prometeu!”
Quanto à política, diz não ter qualquer queda. “Não tenho queda para mentir. Para ser político é preciso ter estômago e saber mentir”, diz, explicando-se: “O Passos Coelho tem habilidade para isso. Ele e outros. Aquele dom e a maneira de conversar para convencerem as pessoas. Ser político é muito difícil. Dizem e contradizem.”
Ir ou mandar para o maneta?
A origem da expressão ir ou mandar para o maneta vem do tempo das invasões francesas em Portugal. O general francês, Louis Henri Loison, que participou na primeira invasão francesa sob o comando de Junot, ficou conhecido pela alcunha “o maneta” por ter perdido um braço numa batalha. Enquanto esteve em Portugal, este oficial foi responsável por muitas torturas e até várias mortes, o que aterrorizou a população em geral. Quem fosse capturado pelas tropas francesas podia então ir para o maneta, expressão cujo significado original é “ser destruído; morrer” por alusão ao carácter cruel do general. Esta expressão também significa “avariar-se, estragar-se”. Passados mais de 200 anos, a expressão ainda está viva entre nós!