ComingOut. Atenção aos ladrões, o Museu de Arte Antiga saiu à rua

ComingOut. Atenção aos ladrões, o Museu de Arte Antiga saiu à rua


Na verdade são reproduções de 31 obras do museu que vão estar espalhadas pelo Bairro Alto, Chiado e Príncipe Real.


“Mas o quadro vai passar aqui a noite?” Os empregados do restaurante de tapas 100 Montaditos, no Pátio do Tijolo, parecem preocupados com o enorme quadro que está a ser colocado na rua. Não é tarefa fácil, até porque há um carro quase colado à parede a deixar poucos centímetros livres para o responsável da empresa ExpoCena pregar o quadro com um berbequim. A coisa lá se compõe e até já vem uma cozinheira à porta admirar “Grupo Familiar”, uma pintura de grandes dimensões de Pieter de Grebber, datada de 1630, um retrato de uma numerosa família holandesa, mesmo a condizer com as filas para comer montaditos a um euro.

“Não têm medo que os quadros sejam vandalizados?” Mais preocupação no meio desta montagem que quase parece uma mudança de casa, com quadros a atravessar a estrada, desta vez vinda de um turista de Singapura que sobe a Rua do Alecrim. É aí que estão retratos a óleo como o de Afonso Albuquerque, que já conhecíamos dos livros de História, mas também outros mais bizarros, como o de Salomé com a cabeça do degolado São João Baptista numa espécie de bandeja (de 1510-1515), mesmo de frente para quem está a devorar um bife na Brasserie de L’Entrecôte, do outro lado da rua.

É o ComingOut do Museu Nacional de Arte Antiga e os quadros saíram, na noite de segunda-feira, da Rua das Janelas Verdes para as paredes das ruas do Chiado, Bairro Alto e Príncipe Real. Na verdade, nunca chegaram a sair do museu. Turistas e cozinheiros podem estar descansados que ninguém tem de fazer turnos para vigiar pinturas. E os ladrões que estiverem a estudar maneiras de roubar as obras fiquem sabendo que estamos a falar de réplicas de grande qualidade – ainda assim, que ficariam bem em qualquer sala.

Vamos deixar-nos de ideias e deixar também as obras nas paredes de Lisboa, onde vão ficar até ao início de Janeiro de 2016. A iniciativa quer “surpreender” o público e ao mesmo tempo chamar a atenção para as obras do Museu Nacional de Arte Antiga, criando a “forte ilusão”, palavras de um comunicado oficial, de que o museu, de facto, saiu à rua.

A impressão das telas foi feita pela HP Portugal e a exposição quer de tal maneira ser fiel à colecção do museu que até as escalas das obras, as tabelas de sala em duas línguas e as molduras em madeira foram respeitadas. “O mais difícil foi arranjar paredes, há poucas em Lisboa que não tenham fios, tubos ou anúncios”, explica uma responsável do museu. “Tivemos de escolher mais as obras em função das paredes do que propriamente as paredes em função das obras, até porque, no início, estávamos a pensar em coisas de maiores dimensões.”

Os quadros maiores encontram-se no Pátio do Tijolo e na Rua António Maria Cardoso, mas ao todo são 31, identificados num mapa que está a ser distribuído pela zona e que vai ajudá-lo a descobri-los. Para o museu, a tarefa mais difícil deste processo não foi a montagem, mas sim tentar “encontrar os proprietários dos vários edifícios onde as reproduções estão penduradas, para conseguir autorizações escritas”.

O projecto assemelha-se ao londrino “The Grand Tour”, de 2007, que levou obras da National Gallery para as paredes de Covent Garden, do Soho e de Picadilly, onde conviveram, por exemplo, com sex shops. Houve quem tentasse roubar quadros, houve quem vandalizasse, mas uma crítica do jornal “Guardian” diz que esta foi a “melhor exposição de arte de sempre”.