O ponto de contenda será, como sempre foi, Bashar al-Assad. À excepção do “tirano”, palavra de Barack Obama, os Estados Unidos estão “preparados para trabalhar com a Rússia e com o Irão” para destronar o autoproclamado Estado Islâmico (ISIS, na sigla inglesa) e pôr fim à guerra da Síria, que em Março entra no sexto ano consecutivo – com um balanço que já ultrapassa mais de 100 mil mortos, mais de quatro milhões de refugiados e cerca de sete milhões de pessoas deslocadas internamente.
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Assim declarou o presidente norte-americano na assembleia-geral da ONU, que ontem reuniu os líderes das 192 nações que compõem a organização (com a ausência notada do Irão), antes de um antecipado encontro privado com o seu arqui-rival, o líder russo, Vladimir Putin.
“Os Estados Unidos estão preparados para trabalhar com qualquer país, incluindo a Rússia e o Irão, para encontrar uma solução para o conflito [sírio], mas temos de reconhecer que não podemos regressar à situação anterior à guerra, depois de tanta carnificina e derramamento de sangue”, disse Obama na abertura da 70.a sessão da assembleia-geral em Nova Iorque, acompanhando essa declaração de críticas à actuação russa no conflito no Leste da Ucrânia.
No que toca à Síria, admitiu, é preciso ceder ao “realismo” mas sem passar a linha vermelha que é aceitar que Assad, o “tirano que massacra crianças inocentes”, permaneça no poder. À hora do seu discurso, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, e o homólogo russo, Sergei Lavrov, reuniam–se pela segunda vez em 24 horas para ultimarem a reunião entre os respectivos presidentes – que terá acontecido ontem, mas já depois do fecho desta edição.
AObama seguiu-se Putin, naquele que foi o seu primeiro discurso como líder russo aos parceiros da ONU em mais de dez anos, no qual pediu uma “genuína e abrangente aliança contra o terrorismo, tal como a que existiu contra Hitler” e em que condenou as “ditas revoluções democráticas que continuam a acontecer” e que só deixam um rasto de “violações de direitos humanos”, bem como as “sanções unilaterais que já se tornaram comuns na perseguição de objectivos políticos”.
“As regras do jogo estão constantemente a ser reescritas por um pequeno grupo de jogadores”, disse Putin, falando na necessidade de um grupo de contacto para resolver a guerra na Síria, liderada por Assad há 15 anos e sem se antecipar que Putin vá abdicar do apoio que sempre deu ao aliado. Poderá ser ele quem agora ditará as regras do jogo.
Grupo de contacto Sem esperar pelo encontro privado com Obama e pelo discurso do presidente russo que acabou por roçar esse mesmo anúncio, a administração de Putin avançou que já está a ser organizada uma reunião de um grupo de contacto internacional “com os mais influentes jogadores externos”. “Vamos tentar que aconteça em Outubro, depois da assembleia-geral da ONU, e já nomeámos os participantes: Rússia, Estados Unidos, Irão, Arábia Saudita, Turquia e Egipto”, disse Mikhail Bogdanov, vice-ministro russo dos Negócios Estrangeiros, citado pela agência RIANovosti.
O anúncio, e o encontro de ontem entre Putin e Obama, surgem depois de semanas de acusações dos norte-americanos sobre o envio de tropas e armamento russo para a Síria, a fim de apoiar as forças leais a Bashar al-Assad. Essa informação foi confirmada por imagens de satélite, que comprovaram a existência de caças, mísseis, tanques e drones (aviões não tripulados) da Rússia em território sírio.
Ajuda chinesa A situação no terreno continua a ser cada vez mais complexa. E agora conta–se entre os avanços e recuos não só o envio de ajuda militar de Moscovo a Assad e dos confrontos no terreno entre as forças do regime sírio, grupos da oposição, o ISIS e a Frente al--Nusra, ligada à Al-Qaeda, como também reforços da China.
“Os chineses vão começar a chegar [à Síria] nas próximas semanas”, disse ontem fonte do exército sírio ao site libanês Al-Masdar Al-’Arabi. De acordo com esse oficial, para já Pequim enviará “conselheiros militares” mas não se exclui o envio de tropas e armamento.