Campanha e realidade


Na cabeça dos candidatos do PSD/CDS, é como se se estivesse em 2011 e a última legislatura tivesse sido um hiato necessário e sem comportar qualquer responsabilidade própria.


© Miguel A. Lopes/Lusa

A contabilidade tem marcado nos últimos dias a atual campanha, seja nos défices, seja nas dívidas, seja na segurança social, seja nos números do desemprego. Os políticos parecem crer que controlam a realidade controlando os números e as estatísticas. Nada mais errado.

A realidade não está nos números nem na sua divulgação formatada por conveniências de circunstância: a realidade, para efeitos eleitorais, é a perceção de realidade que cada um dos eleitores tem, mais ou menos certa, mais ou menos errada. Não vale a pena assim antagonizar em demasia números e certezas estatísticas porque, independentemente da sua justeza, a realidade numérica de boa parte dos eleitores termina no seu número da porta de casa.

Assim, mais interessante seria perceber onde cada partido pretende este país daqui por quatro anos, apenas com esta certeza, que deveria ser claramente assumida por todos, que é a de que vai continuar a não haver dinheiro para gastar, quer do lado do Estado, quer do lado da generalidade dos contribuintes.

A “austeridade” acabou? Não. Portanto mais valia conhecer melhor a criatividade, as prioridades na alocação de recursos e uma seleção de objetivos de cada candidatura, porque o dinheiro continuará a ser escasso.

O discurso da coligação, nada tendo que ver com os próximos quatro anos, tem, a confiar nas sondagens, passado por credível, sendo simples e aparentemente lógico. Recebeu-se dos socialistas um país em pré-bancarrota, cumpriu-se o acordo com os credores que a impediu e agora está-se em condições de começar a governar.

Na cabeça dos candidatos do PSD/CDS, é como se estivesse em 2011 e a última legislatura tivesse sido um hiato necessário e sem comportar qualquer responsabilidade própria. Governou-se e legislou-se, mas foi afinal como se não se tivesse governado e legislado.

Esta perspetiva tem obrigado o PS a insistir na memória recente e a procurar recompor a realidade, imputando opções e decisões aos seus autores.

No entanto, isso tem roubado atenção e amplitude àquilo que se propõe para o futuro, ao mesmo tempo que também o desgasta quanto ao passado. Independentemente de quem ganhe as eleições, há já um mérito tático do atual governo, não porque a realidade o consinta, mas porque a simplicidade do seu discurso, associada ao mantra subliminar sempre presente “socialismo igual a despesismo”, encontra diversos destinatários e mantém o seu principal adversário numa camisa de forças argumentativa da qual é difícil libertar-se.

E assim pode Passos Coelho passear-se em pose de estado pelo país, sem programa e sem discurso, enquanto António Costa tem de pular nos comícios, insistir nos pensionistas e nos funcionários públicos e parecer comprometer-se à direita e à esquerda consoante os dias. Não o faz, mas parece que faz, pelo que também aqui a realidade é irrelevante. Dia 4 ver-se-á se os eleitores escolhem a realidade como ela é ou a realidade como preferem que ela seja.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira

Campanha e realidade


Na cabeça dos candidatos do PSD/CDS, é como se se estivesse em 2011 e a última legislatura tivesse sido um hiato necessário e sem comportar qualquer responsabilidade própria.


© Miguel A. Lopes/Lusa

A contabilidade tem marcado nos últimos dias a atual campanha, seja nos défices, seja nas dívidas, seja na segurança social, seja nos números do desemprego. Os políticos parecem crer que controlam a realidade controlando os números e as estatísticas. Nada mais errado.

A realidade não está nos números nem na sua divulgação formatada por conveniências de circunstância: a realidade, para efeitos eleitorais, é a perceção de realidade que cada um dos eleitores tem, mais ou menos certa, mais ou menos errada. Não vale a pena assim antagonizar em demasia números e certezas estatísticas porque, independentemente da sua justeza, a realidade numérica de boa parte dos eleitores termina no seu número da porta de casa.

Assim, mais interessante seria perceber onde cada partido pretende este país daqui por quatro anos, apenas com esta certeza, que deveria ser claramente assumida por todos, que é a de que vai continuar a não haver dinheiro para gastar, quer do lado do Estado, quer do lado da generalidade dos contribuintes.

A “austeridade” acabou? Não. Portanto mais valia conhecer melhor a criatividade, as prioridades na alocação de recursos e uma seleção de objetivos de cada candidatura, porque o dinheiro continuará a ser escasso.

O discurso da coligação, nada tendo que ver com os próximos quatro anos, tem, a confiar nas sondagens, passado por credível, sendo simples e aparentemente lógico. Recebeu-se dos socialistas um país em pré-bancarrota, cumpriu-se o acordo com os credores que a impediu e agora está-se em condições de começar a governar.

Na cabeça dos candidatos do PSD/CDS, é como se estivesse em 2011 e a última legislatura tivesse sido um hiato necessário e sem comportar qualquer responsabilidade própria. Governou-se e legislou-se, mas foi afinal como se não se tivesse governado e legislado.

Esta perspetiva tem obrigado o PS a insistir na memória recente e a procurar recompor a realidade, imputando opções e decisões aos seus autores.

No entanto, isso tem roubado atenção e amplitude àquilo que se propõe para o futuro, ao mesmo tempo que também o desgasta quanto ao passado. Independentemente de quem ganhe as eleições, há já um mérito tático do atual governo, não porque a realidade o consinta, mas porque a simplicidade do seu discurso, associada ao mantra subliminar sempre presente “socialismo igual a despesismo”, encontra diversos destinatários e mantém o seu principal adversário numa camisa de forças argumentativa da qual é difícil libertar-se.

E assim pode Passos Coelho passear-se em pose de estado pelo país, sem programa e sem discurso, enquanto António Costa tem de pular nos comícios, insistir nos pensionistas e nos funcionários públicos e parecer comprometer-se à direita e à esquerda consoante os dias. Não o faz, mas parece que faz, pelo que também aqui a realidade é irrelevante. Dia 4 ver-se-á se os eleitores escolhem a realidade como ela é ou a realidade como preferem que ela seja.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira