“Cheguei a ir para casa a chorar. Se fizesse cedências, já teria emprego”

“Cheguei a ir para casa a chorar. Se fizesse cedências, já teria emprego”


Segunda parte da entrevista do i a Manuela Moura Guedes.


Mas isso não é um problema do povo português?
Sim. O grande problema é não aprenderem…Mas depois não se queixem, não é? Portanto, eu tive duas fases. A primeira foi a de me sentir quase como uma criminosa, na rua. Sentia que as pessoas olhavam para mim e que parecia que eu tinha sido despedida porque me portei mal. A imprensa, na altura – que é uma coisa inédita –, estava a favor do primeiro-ministro, na sua maioria, a dizer “coitadinho do primeiro-ministro que foi perseguido por uma jornalista. Coitadinho, aquele rapaz inocente e sem defesa, perseguido por aquela mulher, ela sim, um animal feroz e cheia de poder…” Isto é uma coisa extraordinária. Lembro-me perfeitamente de haver jornalistas a fazerem editoriais a dizer que era “bem feita. Ela estava a pedi-las”. Depois tive a outra fase, que foi a da desilusão das eleições em que, confesso, tive um certo desprezo por tudo. Era chover no molhado. Não valia a pena. Era atirar pérolas a porcos. Se as pessoas não percebem, para quê andar a fazer jornalismo?

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Mas o jornalismo tem sempre um papel, mesmo que as pessoas não entendam. Até quando estamos em ditadura, ele tenta passar mensagens.
Mas não estamos em ditadura! Estamos em democracia, as pessoas podem votar.

E podem enganar-se.
(Risos) Um povo inteiro? E ainda por cima com uma classe jornalística de se tirar o chapéu! Andam aí todos a ser comentadores do caso Sócrates, agora. Ele agora deixou de ser o rapaz inocente que era na altura. 

O que sentiu no dia em que José Sócrates foi detido?
Estava num restaurante a jantar com o meu marido e liga-me um jornalista da minha equipa. Tivemos uma conversa que parecia de doidos porque ele só dizia “ele foi preso, ele foi preso”, e eu “preso? Mas quem?” (risos). Até que finalmente lá disse “o Sócrates!”. E eu, espantadíssima, “o Sócrates?”. Disse ao meu marido, as pessoas que estavam na mesa ao lado só olhavam para nós, e de repente pegam no telemóvel para ver também… Foi uma surpresa. Quer dizer, não porque eu nunca tivesse imaginado (risos) – uma pessoa tão séria…! Mas pensei que isso nunca iria acontecer em Portugal. Com Pinto Monteiro, isso nunca iria acontecer. Mudando a procuradora, seria possível, mas mesmo assim foi um passo gigante e confesso que comecei a ver as coisas no país de uma forma diferente.

Teve vontade de apresentar esse telejornal?
Não. É engraçado, porque tive uma revelação acerca de mim própria. Nas eleições em que ele perdeu (em 2011), eu achava que me queria conhecer um bocadinho melhor. Queria saber o sentimento que iria ter em relação a ele quando ele perdesse. Mas desinteressei-me. E passei a ter uma posição de antipoder, logo na altura. E achei uma miséria uma pergunta que uma repórter fez, a atacá-lo logo na noite das eleições quando nunca o atacou antes, e quando havia só uma pergunta a fazer: de que vai o senhor viver? Enfim. Mas tive a revelação de que ele já não me interessava nada, de que só me interessava enquanto primeiro-ministro.

Então não lhe deu um gozo especial a prisão dele?
Deu-me satisfação na medida em que vinha dar-me razão. Só nesse aspecto. Foi engraçado, porque tive uma chuva de mensagens nesse dia a dizer “a primeira pessoa de quem me lembrei foi de si”. Não me resolve nada, na prática, mas dá-me alguma satisfação pensar que tudo aquilo que o PS fez – que era uma coisa que me fazia sentir muita injustiça –, que aquela campanha toda que eles fizeram sobre eu andar a persegui-lo pessoalmente… eu só actuei como jornalista, que era o meu dever. Como se faz em relação a qualquer primeiro-ministro, a qualquer político que tenha responsabilidades. E quanto mais responsabilidades uma pessoa tem na gestão de um país, mais um jornalista deve estar em cima.

Como olhou para o caso BES?
Sempre achei que o Ricardo Salgado era tão mau como Sócrates. Sempre disse isso. Era um dos males deste país. Mas também digo que tiro o chapéu à justiça portuguesa. Como fizeram o “Dono Disto Tudo” alvo de um processo, mesmo com a pressão toda lá de fora: tiro o chapéu à justiça. A diferença que faz a mudança de pessoas num cargo, hem? Estou a referir-me ao Procurador-Geral da República, naturalmente. É extraordinário o que a mudança de Pinto Monteiro para Joana Marques Vidal faz, uma mulher que nem sequer é da área política deste governo. Há duas coisas que eu respeito neste governo: a não interferência na comunicação social e na justiça. São duas coisas que eu tenho em muito apreço. São coisas essenciais para que as coisas andem.

Olha com bons olhos para a justiça, agora.
Naturalmente. Alguma vez algum ministro de um governo era investigado? Alguma vez, antes? Não me lembro de um. Demitiam-se e as coisas ficavam num nevoeiro. É claro que havia muito mais gente que devia ser investigada, mas vamos ver. Talvez lá cheguemos.

O que acha do juiz Carlos Alexandre? Um justiceiro?
Acho que os tem no sítio (risos).

Corremos o risco de achar que é Deus?
Os juízes são um bocadinho Deus, não é? Têm a lei, que é como se fosse a Bíblia, e desde que não infrinjam a lei, têm um poder que é deles próprios. E nós confiamos ou não nesses juízes. Até agora, confio nele. Justiceiro? Não vi até agora nada que me indique isso.

Voltando ao seu afastamento, não fez praticamente nada até regressar à televisão para apresentar o “Quem Quer Ser Milionário”.
Correcto. Foram quatro anos.

Como é que se vive?
Mal. A certa altura só pensava que não prestava para nada. É mais ou menos nessa fase que estou novamente. A achar que ninguém me quer. Escrevi umas crónicas para o “Correio da Manhã”, mas fui despedida de um dia para o outro. Não sei porquê, não me deram uma justificação. Disseram-me no dia anterior a eu ter de entregar uma crónica. Foi, aliás, uma jornalista que falou comigo – o director, que me levou a almoçar para me contratar, não teve a coragem para me dizer que não queria que eu fizesse mais. Eu tenho as minhas suspeitas, mas…

Que suspeitas são essas?
Acho que não agradei a algumas pessoas. Não gostava particularmente de um ministro… de dois, mas de um em particular, que era o Miguel Relvas. E ele era visita frequente do jornal. Mas isto é só uma suspeita, portanto…

E o “Quem Quer Ser Milionário”? Como surge o convite?
Surgiu da RTP, pela parte do Luís Marinho. E diverti-me imenso a fazer aquilo. O público era feito de pessoas fantásticas, das mais diversas proveniências… e eu criei uma empatia com o público que, afinal, é parte do espectáculo. Aquilo, nos intervalos, era uma coisa extraordinária: desde dançar valsa ou o tango com alguns que eram dos Alunos de Apolo até fazer discursos – alguns chamavam-me Evita Perón. Acabou por ser muito divertido, porque era outro registo, mas utilizei muito a minha experiência de jornalista. Mesmo na pesquisa das perguntas, tentei que o nível se elevasse um bocadinho para incutir a aprendizagem. Tentei que o critério não fosse o das perguntas para curiosos que lêem coisas estranhíssimas, aquelas perguntas malucas, mas sim o de perguntas de cultura geral, de facto. Perguntas que ensinem coisas às pessoas. Claro que a partir de um certo nível tem de haver perguntas estranhas e realmente mais difíceis. E depois tentava, nas conversas com cada concorrente, perceber como estava o país, como é que as pessoas viviam. Não me focava tanto nas histórias pessoais e particulares de cada um. Mas isso vem da minha experiência como jornalista. Adaptei-me a um formato que não é o meu e acharam-me muito simpática. E eu pensei: que engraçado, a imagem que têm de mim é a da bruxa má. E eu sou tudo isso, só que tenho de me adaptar às coisas, não é?

Alguma vez tem saudades, gostaria de voltar atrás no tempo?
Sabe do que tenho saudades? Agora naquela novela “A Única Mulher” toca uma música que é “Foram cardos, foram prosas”, e eu oiço aquilo e traz-me alguma nostalgia. Porque aquilo é a minha voz mas naquela altura, naquele tempo. E traz-me nostalgia. Para já, porque é uma coisa que eu não segui. Foi uma coisa que me deram a oportunidade de fazer, que teve imenso sucesso, mas que eu não continuei. Nem sabia o que aquilo daria. Mas foi assim uma coisa! Agora olho para aquilo e oiço-me, e às vezes nem me lembro de que sou eu. Também porque eu não sou pessoa de me ir ver, não vejo coisas de antigamente. E aquilo sou eu noutra época, com outra voz… é outra coisa. 
Mas nós somos muitas coisas. A Manuela fez música, entretenimento, informação, foi deputada…
Sim, sempre fui muitas coisas. Fiz tudo o que me deram oportunidade de fazer.

E agora, se pudesse, o que seria?
Eu sou isso tudo. Em termos profissionais? Não sei…

Se tivesse uma oportunidade para voltar à televisão, não voltava? Para fazer o que fazia antes?
Para fazer jornalismo? Tinha de ser à minha maneira. Não é à minha maneira, é à maneira séria. Mas sim, se me dessem essa oportunidade, voltava.

Recentemente esteve no programa “Barca do Inferno”. Porque aceitou o convite?
O director de informação da RTP, o José Manuel Portugal, disse que gostava muito que eu participasse num programa de debate. Eu disse que sim e ele disse que iam pensar nas outras pessoas. A certa altura, dei com aquele preenchimento. Não fui eu que o escolhi. E só com mulheres, que é uma coisa a que eu fico alérgica.Era preferível que tivesse sido de luta na lama, era mais sério do que aquilo. Aquilo não era um programa sério. Para já, com aquele moderador, que é um humorista. Mas há humoristas que podem moderar, e aquele nunca o fez. Nunca quis moderar. Estou a dizer que nunca quis porque ele voluntariamente queria, muitas vezes, atiçar-nos umas contra as outras. Não sei, se calhar acha graça a que as mulheres se piquem. 

Isso dá audiência.
Pois, mas a certa altura ninguém nos conseguia ouvir. Eu saí de lá algumas vezes de lágrima no olho – também típico de mulher. Mas era insuportável, havia alturas em que era impossível discutir. E eu não podia mandar pessoas à merda. Mas dava vontade, às vezes, de dizer: “Peço imensa desculpa, mas vou mandar aqui a minha colega… bardamerda.” Não se pode, não é? Em televisão, não se pode. Mas dá vontade, porque disseram-se ali coisas extraordinárias. 

Por exemplo?
Sei lá, que não há dívida. Que eu não tenho de pagar dívida porque não contribuí para a dívida. Uma confusão entre Estado e governo, inclusivamente. Enfim. Que se era contra, que se queria a falência das empresas, dos bancos, e que seria o pleno emprego… é uma equação difícil de resolver. 

Como conviveu com o programa, então?
Mal. Mas tinha-me comprometido.

Mas um dia levantou-se e foi-se embora…
Eu tenho uma regra em televisão. Aguentei o Marinho e Pinto sem lhe dizer o que pensava. E aguentei estoicamente ouvir as maiores enormidades, o que com o meu feitio não é fácil. E há pessoas com quem não se pode dar uma resposta porque aquilo dá peixeirada da grossa. E em televisão não se pode fazer isso, mesmo que a pessoa esteja a ouvir o pior. Portanto, aguentei. Tal como aguentei insultos inacreditáveis na Barca do Inferno e tive de estar calada. Porque se eu respondesse à letra, se calhar aquilo até à chapada ia. Mas sou profissional de televisão. Sei que há um determinado limite que não dá. Portanto, das duas, uma: ou respondia ou amochava. E ficava ali a deitar fumo.

Optou pela terceira alternativa. O que fez saltar-lhe a tampa?
Já tinha sido demais. Eu estava a perguntar à Isabel Moreira coisas sobre o programa do PS e ela virava a cara. Eu falava com ela, insistentemente, sobre a história do consumo e como isso ia garantir emprego, e ela, em silêncio, olhava para o outro lado, por cima da burra. E eu voltei-me para o Nilton e disse: “Ó Nilton, modera. Modera.” E ele achou que aquilo tinha sido uma ofensa, porque ele queria que a coisa escalasse. E disse para eu ter mais educação. E eu, ou respondia “Nilton, devias moderar, que é coisa que não tens feito” – e aí as duas iam saltar em cima de mim e aquilo ia ser muito bom para audiências –, ou ia-me embora. Preferi ir-me embora.

Foi um momento de ruptura total.
Já o devia ter feito antes. Cheguei a ir para casa a chorar. Chegou uma altura em que era o Nilton que escolhia editorialmente os temas do programa com as duas – as duas de esquerda, bem entendido. Uma não discutia nunca Sócrates. Na altura da prisão de Sócrates, elas diziam que aquilo não era assunto! Que era um tema da justiça. Não se discutiu! Acabou por não haver programa nesse dia. Segundo eles, eu tinha problemas pessoais com o Sócrates. “Depois disto tudo, vocês dizem que eu tenho problemas pessoais com o Sócrates?” Bom…

Continua a não fazer cedências, portanto?
Como se vê, continuo. Se fizesse cedências, já teria emprego. Mas essa experiência foi muito dolorosa. Eu tenho sempre este azar: até queria fazer um programa de debate, mas tinha de me calhar esta composição? Uma deputada do género (risos), de esquerda-caviar [Isabel Moreira]; a deputada “wannabe”, que não é deputada e que gostava de ser da esquerda-caviar [Raquel Varela], uma investigadora que a qualquer momento dizia que era investigadora de conflitos laborais, no meio de 50 mil investigadores que há em Portugal. E depois, vá lá, havia a Sofia Vala Rocha, que tinha os pés assentes na terra. Tivemos uma estreia de programa fantástica, com a Marta Gautier, que suponho que também foi escolha do outro humorista… enfim, tenho sorte.

Ou procura a sua sorte.
Oh, eu podia ter recusado. Mas actualmente vou aproveitando aquilo que me vai aparecendo.
Foi convidada para comentar estas eleições?
Agora? Vocês estão malucos (risos). Eu não. Segundo me disse há uns tempos um director de informação, eu tenho de limpar a minha imagem – o que quer que isto queira dizer. Já o [João] Marcelino não tem de limpar a imagem. O bom do Marcelino, tão apegado ao ex-primeiro-ministro que defendia que achava que eu mereci [sair da TVI]. Esse é a rolha, vai estando ao sabor da maré. Esse não tem de limpar a imagem, eu tenho. É extraordinário.

Ouvindo o que diz, parece ter uma óptima ideia de Passos Coelho. É verdade?
Tenho algum respeito. Confesso que ao princípio não tinha, com o Relvas lá. Eu fui às manifestações contra o Relvas. Depois o Relvas saiu e eu ganhei respeito por ele. Por esta determinação que teve. Ele acredita numa linha que quis para o país. E o que é certo é que está a ter resultados – e ao princípio eu não acreditava muito. São números, e de há algum tempo para cá está a ter resultados. É duro, teve de ser duro, e acho que estão a meio do trabalho. Depois de fazer o trabalho pior que foi o de limpar a casa, levar com a porcaria da troika em cima, fazer o povo português sofrer cortes nos salários, nas pensões, agora que a coisa está melhorzinha, quero ver o que vale. Não se desviou, esteve-se nas tintas para o ganho de votos, para o facto de ser mau para os eleitores – vamos ver se foi mau, se as pessoas o vão castigar. Mas, para mim, isso foi sério. Tenho-o como um tipo que não interfere nem na justiça nem na comunicação social, e isso são valores fundamentais. E confesso que, para mim, a alternativa é assustadora. Em termos de economia, não se podia pedir muito melhor no estado em que nós estávamos, com um resgate, com um país todo de pantanas. Queriam que crescesse mais? Ilusões! Portanto, não é ter grande admiração, é respeito. E acho que ninguém teria feito melhor.

Quando tinha problemas nos seus programas, alguma vez recebeu chamadas do governo ou da oposição?
Directamente, não. Nunca. Mas sei que recebiam. Há muitos anos que nem assessores nem pessoas em cargos mais elevados me contactava directamente.

Gosta de ir a manifestações? Porque foi a essa da TSU?
Fui a algumas. Fui a essa porque estava aborrecida. Não no sentido de ociosa (risos), mas chateada. Mas depois comecei a acreditar no governo e achei que este era o caminho.

Foi deputada pelo CDS-PP. Como olha para o partido agora?
Na altura fui convidada pelo Manuel Monteiro. Triste memória (risos). Eu acredito no Paulo [Portas]. 

Acha que a história dos submarinos é uma invenção da comunicação social?
Tinha um jornalista a investigar e começámos a meter-nos na história. Mas não posso falar sobre isso, porque não sei, não tive tempo. Acho que se passou tudo em termos de prazos, de falta de provas, que nunca permitiram que se chegasse a uma investigação. Politicamente, acredito nele. Podemos não ter a mesma visão sobre muitas coisas. Ele é muito mais conservador do que eu. Há posições do CDS que me fizeram muitas vezes questionar-me porque estava no parlamento. E dizia-lhe isso. Quer dizer, eu era independente. E só fui para lá nessas condições, com garantia de que tinha liberdade de voto. E exerci-a, para grande desconforto deles, porque cheguei a votar com o PCP. Imaginem, a bancada do PCP e uma deputada da bancada do CDS/PP, sozinhos a votar. E os do PC a darem-me um passou-bem e os do CDS a irem-se todos embora. Mas havia coisas com que eu não me identificava, coisas mais conservadoras.

Vamos falar um bocadinho de si. Fez parte de um coro de igreja, era crítica de João Paulo II. O que acha deste Papa?
Acho-o muito folclórico. As pessoas foram tão injustas com Bento XVI, que fez o pior trabalho que havia a fazer, que foi levantar a história toda da pedofilia que João Paulo II deixou a encoberto. Foi um Papa a sério, que deve ter sofrido tanto, tanto, tanto… Com um peso teológico imenso. Mas as pessoas gostam muito de Papas que falam muito, que vêm cá para fora… Acho que este é um bocadinho incontinente verbal, fala muito, e às vezes é um bocadinho assustador por isso.

Mexeu em questões fracturantes: nulidade dos matrimónios, acolhimento de divorciados e de homossexuais…
Bom, a Igreja é a Igreja, não é? É feita pelos homens e acho bom que ele a vá tentando mudar. Não pode ser ao ritmo da Igreja, que entretanto passam-se gerações e os católicos fogem todos, mas ele anda mais rápido que o Lucky Luke. Às vezes desconcerta, porque não sei se não fala mais rápido que o próprio pensamento. Acho este Papa muito para fora, e eu tenho dúvidas sobre isso.

Gostava muito de Bento XVI. Pensa muito em Deus?
Eu adorava o Bento XVI, e acho que foi muito incompreendido porque as pessoas gostam dos papas que são muito populares, que dão muitos beijinhos. Não compreendem o que é ser chefe da Igreja Católica e ter esse peso. Acham que é assim como o Tony Carreira. Não sei, parece que ele tem repentes. De repente abre os olhinhos, ficam muito iluminados e parece que houve um curto-circuito na cabeça. Dá ideia de que a coisa não é muito mastigada, ponderada. Confesso que sou uma católica muito… como explicar? Tenho o conforto da religião sem a chatice da Igreja (risos). Actualmente, não quero pensar muito, porque se pensar muito vem o racional ao de cima, e a fé não tem nada de racional. E não sei se no confronto da fé com o racional a fé ganha, e eu quero que a fé ganhe. A fé é um sustentáculo enorme para a vida que acaba com a morte. Porque a morte é fácil de pensar como uma coisa que é uma passagem, no sentido em que a vida não acaba. Na verdade gostava de ser budista, no sentido em que para eles a vida continua com uma evolução. No outro dia, no carro, dei por mim a pensar que a eternidade pode ser uma chatice. É uma never ending story. A eternidade, vista pelos católicos beatos – que são muito chatos, e talvez por isso não vejam a eternidade como uma chatice –, é uma coisa que não tem fim. É o ser sem fim. É sempre ser. E uma pessoa pensar que existe sempre é uma coisa… Ser sempre é cansativo. Agora, em termos budistas, eu vou ser sempre diferente. Não é a forma, é eu existir. Mas voltando ao início, a fé para mim é uma coisa muito forte. Falar com Deus é algo que eu faço regularmente.

Tem medo de envelhecer?
Há uns anos não tinha, mas agora tenho. Acho que é natural. Assusta-me ir ficando incapaz. Não quero viver muitos anos. Não tenho medo de morrer, mas tenho medo de ficar dependente.

Tem recorrido muito ao dr. Chams, o “médico dos famosos”?
Tenho, tenho. Acho que estou melhor, não estou? É ele que está a tentar recuperar-me as minhas feições antigas, depois de eu ter andado com a cara tipo balão por causa de todas as coisas que me injectaram para tentar tapar os buracos com que fiquei por causa dos quistos que tive. É um excelente médico e eu vou lá frequentemente. Além de que é muito divertido. Lisboa inteira vai ao dr. Chams, encontra-se sempre alguém.

É fascinada por moda?
Gosto de seguir a moda, gosto mesmo. Acho graça. Mas pergunto sempre aos meus filhos se não estou ridícula. Acredito que eles não me vão deixar ir ridícula para a rua (risos).

Em sua casa, os seus filhos são mais conservadores do que a mãe, é isso?
Sim, em tudo. Bem, quando eu cheguei a casa depois da minha saída do programa “Barca do Inferno”, estavam os meus filhos e o meu marido a olhar para mim com um ar “pronto, lá chegou o nosso problema”. E diziam-me: “Nós já vimos. Pronto, teve razão, mas não era preciso não sei o quê…” Tudo a passar-me a mão pelo pêlo, mas com pedagogia. De cada vez que eu ia para o programa diziam-me, “Mãe, tenha calma. Deixe-as falar.” E eu só pensava: “Isto não é normal!”. São condescendentes! E todos dão opiniões sobre a minha vida, sobre o que devo fazer…

Sabe cozinhar?
Sei, pois.

E cozinha?
Ah ah ah. Não com tanta regularidade quanto… enfim! Mas todos os meus filhos cozinham. O mais velho, então, cozinha lindamente.

Acha que ainda vai voltar à televisão?
Duvido. Mas o engraçado é que me estão a aparecer várias coisas que espero que se concretizem mesmo, que é para ensinar comunicação, tanto na universidade como em escolas profissionais e em cursos mais específicos.

Porque sentiu necessidade de dar esta entrevista agora?
Porque acho que os tempos são confusos, muito confusos. Tenho necessidade de, de vez em quando, dizer o que penso num espaço que é dado a todas as pessoas, como as redes sociais. Às vezes é-me dado algum espaçozinho noutro sítio. E espero poder contribuir de alguma forma para que as pessoas não endoideçam mesmo.

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