Manuela Moura Guedes. “A TVI está ao serviço de António Costa”

Manuela Moura Guedes. “A TVI está ao serviço de António Costa”


À beira de fazer 60 anos, Manuela Moura Guedes não acredita que possa regressar à televisão até porque não quer limpar a imagem.


Escreveu esta semana no Facebook uma crítica ao alinhamento editorial dos telejornais…
Especifiquei um, porque tinha acabado de o ver, que era o da TVI. Achei inconcebível que um telejornal tivesse demorado uma hora a dar uma notícia importante da actualidade sobre o emprego – sendo ele um dos principais problemas do país, e sobretudo tratando-se de um dado internacional face aos outros países europeus. Olhei para o relógio e faltavam 6 minutos para as 21h – até podia ter havido muitas notícias mais importantes, mas não. Tiveram basicamente o programa de humor do Ricardo Araújo Pereira, que eles inserem dentro do telejornal e que acho inconcebível. Tiveram crime… Não é o crime de coisas tão estranhas que nos fazem perguntar se o país está a mudar nos costumes, não. O crime do rapaz que foi baleado em Olhão, da senhora que foi estrangulada pelo marido… tudo isto foi antes desta notícia. Mas isto é só um exemplo. Tudo o que disse foram factos para demonstrar que aquele jornal está ao serviço da campanha de António Costa. Como estão outros.

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Há outros meios ao serviço de António Costa?
A imprensa em geral, com este complexo de esquerda que tem desde sempre, posiciona-se à esquerda. À esquerda, como se o PS fosse de facto uma esquerda. Nota-se sempre e não tem qualquer complexo em fazê-lo. Umas vezes fá-lo mais subtilmente, é mais inteligente, outras vezes fá-lo sem qualquer complexo. E a TVI é um caso disso. Por exemplo, o “Público”, nesta última semana – depois de António Costa ter dito variadíssimas vezes que, mesmo sem conhecer o Orçamento do Estado para 2016, o vai chumbar, que não está disposto a dialogar nem a negociar a Segurança Social – tinha como título do segundo caderno, com um trabalho extenso sobre António Costa, “O Conciliador”. É extraordinário, não é? Por exemplo, a SIC, na pré-campanha, tinha uma reportagem muito bem feita, mas completamente de desgaste deste governo. Foram buscar tudo o que de mal tem a situação social deste país e colocaram no meio frases de Pedro Passos Coelho que ficam descontextualizadas, daquelas da emigração, das que conhecemos. Mas ia buscar as pessoas que estão em situação má, casos concretos, e no meio metia o primeiro-ministro a dizer frases. E aquilo era nitidamente, nesta altura, uma grande reportagem que não se pode atacar porque aqueles casos existem. Mas aquelas frases têm uma altura. Algumas foram ditas há dois anos, e são descontextualizadas. E aqueles casos são alguns casos. Só que a reportagem falava desses casos sem falar da evolução. Também nunca se fala sobre o que ocasionou aquilo.

Foi saneada por um governo socialista…
Sim!, eu fui saneada. E não foi por um governo socialista. Foi pelo governo de José Sócrates, por um PS que é o mesmo PS que se candidata agora a governar este país. Eu não estou a dizer que foi o PS, mas este PS. O que é assustador.

Mas que PS? O de António Costa?
O António Costa que era só o número dois de José Sócrates! Ou os portugueses endoideceram e são embalados por esta coisa, e então merecem passar pelo mesmo, porque esta política não se distingue daquela que levou o país ao endividamento, que levou o país a ficar de tanga… Tivemos um ciclo em que era assim: vamos lá consumir, vamos lá endividar-nos que outros hão-de pagar isto. Foi o que aconteceu com as PPP, com as obras públicas, etc. E depois – claro, porque estávamos de tanga – tivemos de pedir empréstimo, resgate, veio a troika… e então os portugueses dizem “ah, estes são maus”. Em termos primários, é isto! E só se lembram destes últimos quatro anos, sem se lembrarem do que ocasionou esta situação. Endoideceram! Quer dizer, foi este PS. Acho bem que se lembrem, porque é o mesmo PS que propõe o consumo como forma de aumentar os rendimentos. O que é extraordinário, porque o aumento do consumo num país que não produz bens de consumo – vão querer comprar televisões, frigoríficos, arcas, tudo o que vem lá de fora – implica aumento das importações… quer dizer, estão doidos! Estão doidos!

Voltemos à televisão: na altura, o governo de José Sócrates estava no poder. Neste momento, não está. Porque acha que os meios de comunicação social estão a fazer campanha contra este governo?
Já expliquei. Pelo complexo de esquerda que os jornalistas têm.

E se a coligação ganha as eleições?
Ponto prévio: eu fui afastada do jornalismo pelo outro governo, mas não voltei a trabalhar com este governo. Tenho legitimidade. Não fui agraciada, não fui favorecida. Aquilo que emito como minha opinião é a minha opinião, continuo livre de pensamento. Há em Portugal uma coisa muito engraçada: as pessoas tendem a achar que quando alguém emite uma opinião é porque está ao serviço de alguém, porque tem interesses. Não é por força das suas convicções, do seu pensamento, mas porque tem qualquer coisa a ver com alguém… É sempre qualquer coisa de sentimentos mais baixos. Não tem a ver com isso, e a prova é que eu continuo exactamente na mesma posição.

A política não respeita a liberdade de expressão?
Nós já tivemos alguns episódios que demonstram como a política pode não respeitar a liberdade de expressão. Tivemos um António Costa a pressionar um jornalista no meio de um debate, tivemos o PS que, só por causa do título do debate do “Prós e Contras”, na RTP, queria a demissão do director de informação [o tema era a independência da justiça e uma das perguntas era se havia interferência dos partidos no sistema judicial]. Sentem-se tocados com isto! Isso é porque acham que houve ingerência da política na justiça. Nós sabemos que houve, não é? Há escutas no caso Casa Pia e temos a Face Oculta… o PS é pródigo nesse aspecto.

Acha que o PS não vive bem com a liberdade de informação?
(gargalhada) Perguntam-me isso a mim, que fui afastada, e depois de terem acabado com um jornal que nunca teve um processo sobre os casos que apresentou? Demos vários casos sobre corrupção [na TVI], mas o Freeport foi o caso sobre o qual mais nos debruçámos, e que é exactamente o mesmo esquema que agora a justiça está a investigar sobre José Sócrates. E nunca tivemos um pedido de direito de resposta, um processo sobre isso que tivesse ido para a frente – nada. Fomos perseguidos e, por fim, acabaram por fechar o jornal, o que é extraordinário numa democracia.

Falemos da sua vida pós-TVI. Como foi esse primeiro dia e os seguintes após o afastamento?
Foi o período mais complicado da minha vida profissional e acho que um dos mais complicados da minha vida pessoal. Nunca pensei que aquilo pudesse acontecer, que chegassem àquele ponto de descaramento… era o jornal com mais audiência, dava receitas, muitas receitas à empresa. Em termos comerciais, não havia justificação. Em termos de problemas concretos de justiça, não havia um único problema. Eu nunca deixava uma peça ir para o ar sem que fosse “checada” não sei quantas vezes. Chegámos a ter histórias em que só com documentos originais na mão íamos para a frente. Nunca pensei que uma estação de televisão cedesse assim.

Como foi viver sem o jornalismo nessa altura?
Nessa altura tive um choque muito grande, porque logo a seguir foram as eleições. Viver sem o jornalismo, sem a campanha eleitoral foi complicado, porque eu sentia necessidade de o fazer para explicar às pessoas o que estava mal, o que era preciso, as peças que era preciso fazer… Depois houve as eleições. E no dia das eleições fiquei profundamente desiludida com o povo português. Só pensava: “Como é que não perceberam? Como votaram segunda vez num governo que fez tudo errado?” Nós andámos a explicar o endividamento… Não era a história da corrupção, esse é o menor dos defeitos de Sócrates. É o que ele fez ao país em termos políticos, de gestão. Como é que as pessoas não perceberam? E nós fomos dos primeiros a mostrar isso. Pedi à secção de economia que fizesse as contas para saber quanto cada português estava a endividar-se por dia, pensando que assim as pessoas perceberiam que estávamos a ir para o buraco. E não fomos só nós a fazê-lo. Mas as pessoas não perceberam.

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