Em plena campanha para as primárias dos partidos democrata e republicano, na demanda de escolher um candidato de cada para disputarem a Casa Branca em 2016, a visita papal desta semana podia ser uma bênção para os republicanos, tradicionalmente mais conservadores e católicos que os democratas, no mínimo no que toca a políticas sociais. Mas quando o Papa em questão é Francisco – um homem que alguns ditam como o único grande líder do socialismo europeu da actualidade, que se apressou a dar os parabéns ao esquerdista Jeremy Corbyn quando este foi eleito para chefiar o Partido Trabalhista britânico na semana passada – a história é outra.
Quando, ontem à tarde, hora de Lisboa, o chefe da Igreja Católica concluiu o seu discurso de 40 minutos no Congresso norte-americano, a primeira vez que um líder do Vaticano o fez, todos o ovacionaram de pé, democratas e republicanos. Mas horas antes, eram vários os membros do partido actualmente na oposição que faziam das tripas coração para tirarem importância à agenda que Francisco levou consigo para os Estados Unidos.
Uma das contendas foi o apelo do Papa para que os americanos liderem o combate às alterações climáticas, uma questão que “já não pode ser remetida para as próximas gerações”, sublinhou Francisco na quarta-feira ao lado de Barack Obama nos jardins da Casa Branca. Marsha Blackburn, vice-presidente do comité de Energia da Câmara dos Representantes, sendo uma das mais influentes políticas americanas no sector, defende que não se deve dar ouvidos ao Papa.
“Encontrámo-nos com diferentes investigadores. Tivemos inúmeros encontros no comité […] Alguns acreditam que é a actividade humana a causa das emissões de carbono e que, por isso, temos de reverter as emissões para os níveis dos anos 1870. Eu escolho discordar disto.”
As declarações da republicana num documentário da Rádio 4 britânica prestes a estrear (avançadas antecipadamente pela BBC assim que o Papa focou o clima) não são um episódio solto. A começar pela primeira declaração que Francisco fez assim que aterrou nos EUA na terça-feira. “Como filho de uma família de imigrantes, estou feliz de ser um convidado neste país, largamente constituído por famílias como a minha.”
Terá sido, provavelmente, a maior espinha que os republicanos tiveram de engolir, incluindo uma segunda vez ontem no Congresso, considerando que os mais de 12 candidatos às primárias do partido têm apostado em discursos anti-imigração – a começar por Donald Trump, o multimilionário que continua a liderar a corrida republicana e que defende a construção de um muro na fronteira com o México.
“Os direitos daqueles que estavam aqui bem antes de nós [povos indígenas] nem sempre foram respeitados. E não devemos retrair-nos perante o número [de imigrantes que chegam aos EUA e à UE], antes vê-los como pessoas, olhar para as suas caras e ouvir as suas histórias, tentar responder da melhor forma possível à sua situação – de uma forma que seja sempre humana, justa e fraterna”, declarou Francisco perante os membros do Congresso a meio do discurso. Aí, apenas os democratas aplaudiram.